O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, e o relator do projeto, senador Irajá, na reunião desta quarta | Marcos Oliveira/Agência Senado
A Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou nesta
quarta-feira (19), por 14 votos a 12, o projeto de lei que autoriza o
funcionamento de cassinos e bingos no Brasil, legaliza o jogo do bicho e
permite apostas em corridas de cavalos. O texto segue agora para votação
no Plenário do Senado.
O PL 2.234/2022, já aprovado pela Câmara dos Deputados,
recebeu voto favorável do relator, o senador Irajá (PSD-TO), que acolheu
emendas sugeridas e propôs ajustes.
Na reunião, o senador Irajá mencionou que os países que
“regulamentaram com responsabilidade” os jogos e apostas tiveram crescimento
social e econômico, com o aumento do fluxo de turistas. O relator afirmou que
os investimentos a partir da aprovação do projeto podem chegar a R$ 100
bilhões, com a geração de cerca de 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos.
A arrecadação potencial por ano, segundo ele, seria de R$ 22 bilhões, divididos
entre os estados, os municípios e a União.
— Não podemos mais perder essa grande oportunidade que
outros países concorrentes já entenderam e enxergaram de gerar emprego, renda e
impostos, que serão evidentemente revertidos em benefícios ao povo brasileiro
nas áreas mais essenciais, como a saúde, educação, social e infraestrutura —
disse.
Segundo o relator, os vários tipos de jogos atualmente
considerados ilegais teriam movimentado algo entre R$ 14,3 bilhões e R$ 31,5
bilhões em 2023. A estimativa considerou como base dados do ano de 2014 com a
atualização da inflação.
“Mesmo na contravenção, os jogos de azar já constituem uma
atividade econômica relevante e, como tal, devem estar sujeitos à
regulamentação pelo Estado”, argumenta o senador. Para ele, submeter os jogos
ao controle do estado permitirá mitigar “eventuais vínculos entre os jogos de
azar e o crime organizado”.
A proposta está em análise no Senado desde 2022. O texto
original foi apresentado na Câmara em 1991. Parlamentares contrários ao texto
afirmam que o projeto pode incentivar a ludopatia (vício em jogos) e crimes,
como lavagem de dinheiro, tráfico e prostituição.
— Essa atividade [de cassinos] de fato abre um espaço muito
largo para a lavagem de dinheiro e para a ocupação e legitimação de
organizações criminosas. O bandido não deixa de ser bandido porque sua
atividade foi legalizada — afirmou o senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
Integrantes da bancada evangélica são os maiores críticos da
proposta. Para o senador Magno Malta (PL-ES), o vício em jogos é tão “nocivo”
para a sociedade quanto o vício em drogas. Ao citar o caso de Las Vegas, nos
Estados Unidos, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) afirmou que, em locais onde
há cassinos em regiões metropolitanas, os índices de criminalidade são
maiores.
Presidente da CCJ, o senador Davi Alcolumbre (União-AP)
relatou na reunião que o projeto já havia sido pautado várias vezes, mas ainda
não tinha sido votado por falta de consenso. Na semana passada, Irajá
apresentou complementação ao seu relatório, mas o texto não foi à votação.
Diante das divergências sobre a matéria, Alcolumbre decidiu adiar a discussão
para essa quarta-feira.
O projeto estabelece regras específicas para diferentes
tipos de jogos. De acordo com o relator, ao estabelecer limites de quantidade
numérica para os estabelecimentos comerciais que podem oferecer cassinos,
bingos e jogos do bicho, o projeto “facilita a fiscalização pelo Ministério da
Fazenda e permite o maior controle do Estado de eventuais externalidades
negativas”.
Cassinos
Conforme o texto aprovado, será autorizada a instalação de
cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, isto é,
resorts e hotéis de alto padrão com pelo menos 100 quartos, além de
restaurantes, bares e locais para reuniões e eventos culturais.
Uma emenda do senador Ângelo Coronel (PSD-BA) incluída no
texto determinou que os cassinos deverão funcionar em complexos integrados de
lazer ou embarcações especificamente destinados a esse fim. Haverá o limite de
um cassino em cada estado e no Distrito Federal, com exceção de São Paulo, que
poderá ter até três cassinos, e de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e
Pará, que poderão ter até dois, cada um, em razão do tamanho da população ou do
território.
Também poderão ser instalados cassinos em embarcações
marítimas (no limite de dez, em todo o país) e em navios fluviais com pelo
menos 50 quartos, dentro dos seguintes limites: um cassino em cada rio com
extensão entre 1,5 mil e 2,5 mil quilômetros; dois em cada rio com extensão
entre 2,5 mil e 3,5 mil quilômetros; e três em cada rio com extensão acima de
3,5 mil quilômetros.
Embarcações fluviais com cassinos não poderão ficar
ancoradas em uma mesma localidade por mais de 30 dias seguidos.
Para funcionar, cada cassino — definido como local onde são
praticados jogos de chance ou de habilidade mediante apostas em roletas,
cartas, dados ou máquinas de jogos — precisará comprovar capital social mínimo
integralizado de pelo menos R$ 100 milhões. O credenciamento valerá por 30
anos, renováveis por igual período.
Bingo
O jogo de bingo poderá ser explorado de forma permanente em
locais específicos, tanto na modalidade de cartela, como nas modalidades
eletrônica e de videobingo. Poderá haver uma casa de bingo em cada município,
sendo que as cidades maiores poderão ter um estabelecimento para cada 150 mil
habitantes.
Os municípios e o Distrito Federal serão autorizados a
explorar jogos de bingo em estádios com capacidade mínima de 15 mil torcedores,
desde que em forma não eventual.
As casas de bingo serão autorizadas a funcionar por 25 anos,
renováveis por igual período. Para pleitear a autorização, precisarão comprovar
capital social mínimo integralizado de R$ 10 milhões.
Jogo do
bicho
Em cada estado e no Distrito Federal, poderá ser credenciada
para explorar o jogo do bicho uma pessoa jurídica a cada 700 mil habitantes. Em
Roraima (único estado com população abaixo desse limite, conforme o Censo de
2022) será permitida a instalação de uma operadora do jogo do bicho.
Pessoas jurídicas poderão ser autorizadas a explorar o jogo
do bicho por 25 anos, renováveis por igual período. Para pleitear a
autorização, precisarão comprovar capital social mínimo integralizado de R$ 10
milhões.
Já as apostas em corridas de cavalos poderão ser exploradas
por entidades turfísticas credenciadas junto ao Ministério da Agricultura.
Essas mesmas entidades poderão também ser credenciadas a explorar, ao mesmo
tempo, jogos de bingo e videobingo, desde que no mesmo local em que haja a
prática do turfe.
Máquinas
O projeto regulamenta também o aluguel de máquinas de
apostas e obriga o registro de todas elas junto ao poder público, bem como a
realização de auditorias periódicas.
As máquinas de jogo e aposta deverão ser exploradas na
proporção de 40% para a empresa locadora e de 60% para o estabelecimento de
bingo ou cassino, sobre a receita bruta, sendo essa a diferença entre o total
de apostas efetuadas e os prêmios pagos.
Tributação
Dois novos tributos serão criados e deverão ser pagos pelas
entidades operadoras de jogos e apostas licenciadas: a Taxa de Fiscalização de
Jogos e Apostas (Tafija) e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
incidente sobre a comercialização de jogos e apostas (Cide-Jogos). As casas de
apostas serão isentas de outros impostos e contribuições.
Recolhida ao Tesouro Nacional, a Tafija deverá ser paga a
cada três meses, sendo no valor de R$ 600 mil para os cassinos; R$ 300 mil para
casas de jogos on-line; e R$ 20 mil para casas de bingo, operadoras de jogo do
bicho e entidades turfísticas.
A Cide-Jogos terá alíquota de até 17% (podendo ser reduzida
a critério do Poder Executivo) para todas as entidades que explorarem jogos e
apostas, incidindo sobre a receita bruta — isto é, a diferença entre o total de
apostas realizadas e de prêmios pagos.
Do montante arrecadado, 16% irão para o Fundo de
Participação dos Estados, 16% para o Fundo de Participação dos Municípios
(FPM), 12% para a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo
(Embratur), 10% para ações na área do esporte e 10% para o Fundo Nacional da
Cultura.
O restante será empregado em ações de prevenção ao vício em
jogos, em saúde, segurança pública, proteção dos animais, financiamento
estudantil, ações em áreas impactadas por desastres naturais e no Fundo
Nacional da Criança e do Adolescente.
Além disso, as entidades operadoras de jogos e apostas
deverão destinar 1% da receita bruta à formação de atletas, com repasses feitos
diretamente ao Comitê Brasileiro de Clubes e ao Comitê Brasileiro de Clubes
Paralímpicos.
Os prêmios de valor igual ou superior a R$ 10 mil recebidos
pelos apostadores pagarão 20% de Imposto de Renda, já retidos na fonte. O
cálculo considerará a diferença entre o prêmio recebido e as apostas efetuadas
pelo mesmo apostador nas últimas 24 horas.
Apostadores
Poderão fazer apostas pessoas em pleno exercício da sua
capacidade civil. Serão excluídas dos jogos pessoas declaradas insolventes ou
privadas da administração de seus bens e os consumidores superendividados que
tenham estado, nos últimos dois anos, em processo judicial de repactuação de
dívidas.
Agentes públicos integrantes de órgãos encarregados da
regulação ou da supervisão dos jogos, bem como administradores e membros dos
grupos controladores das casas de jogos, também serão impedidos de fazer
apostas.
O PL 2.234/2022 prevê a criação do Registro Nacional de
Proibidos (Renapro), um cadastro de pessoas que serão impedidas de fazer
apostas e até mesmo entrar em cassinos e outros locais onde os jogos são
realizados, inclusive aplicativos e sites eletrônicos.
As casas de jogos deverão checar se as pessoas que solicitam
entrada nesses estabelecimentos estão ou não inscritas no Renapro. A inclusão
de nomes no cadastro poderá ser feita a pedido do próprio cidadão, por ordem
judicial ou pelo Ministério Público.
As apostas realizadas por pessoas impedidas serão
consideradas nulas, bem como as obrigações e promessas relacionadas aos jogos
assumidas por elas.
O texto aprovado cria a Política Nacional de Proteção aos
Jogadores e Apostadores, com medidas para garantir a honestidade dos jogos e
desestimular a compulsão. Os apostadores deverão ser informados previamente,
com clareza, sobre as regras de cada jogo e as probabilidades de ganho.
Todas as etapas e rotinas deverão ser transparentes, e
deverá ser assegurado que os vencedores serão aleatórios e imprevisíveis. O
projeto estabelece que no mínimo 80% dos valores arrecadados deverão ser
destinados à premiação dos apostadores nos jogos de cassino, bingo, bingo
on-line e videobingo. No caso do jogo do bicho, o mínimo será de 40%.
O texto prevê que as entidades operadoras de jogos deverão
manter pessoal treinado para esclarecer dúvidas e receber reclamações dos
apostadores, sendo proibido que esses funcionários atuem também na realização,
na promoção ou na oferta de jogos.
A publicidade dos jogos não poderá usar crianças e
adolescentes, nem associar a realização de apostas a sucesso financeiro e
social ou procurar incutir a ideia de que apostar é algo virtuoso. Também não
poderá representar negativamente quem opta por não apostar ou se opõe aos jogos
por qualquer motivo.
Além disso, as entidades operadoras de jogos e apostas não
poderão oferecer empréstimos, bonificações, adiantamentos ou qualquer tipo de
vantagem prévia aos apostadores, nem mesmo a título de promoção.
Também não poderão realizar parcerias ou convênios com
outras empresas a fim de facilitar o acesso a crédito a determinadas categorias
de apostadores. Em suas dependências não poderão ser instaladas agências ou
representações de empresas que concedam crédito.
O projeto também determina que não terão validade jurídica
contratos e promessas que envolvam a transferência de bens para garantir ou
pagar dívidas de jogo. Além disso, só serão consideradas válidas as dívidas
contraídas com entidades regularmente licenciadas.
Prevenção
O PL 2.234/2022 prevê a regulamentação, por parte do Poder
Executivo, de diretrizes de prevenção e de combate ao uso de entidades
operadoras de jogos e apostas para as práticas de lavagem de dinheiro e de
financiamento ao terrorismo. As casas de apostas deverão coletar e verificar
informações cadastrais de seus funcionários, dos prestadores de serviço e dos
apostadores e monitorar comportamentos suspeitos.
Não poderão ser feitas apostas utilizando cédulas de
dinheiro diretamente nas máquinas eletrônicas ou mesas de jogos. Todas as
apostas e prêmios pagos deverão ser registrados em um sistema específico, o
Sistema de Auditoria e Controle. O Poder Executivo deverá ter pleno acesso aos
dados.
Por sugestão do senador Alessandro Vieira, o relator incluiu
no substitutivo que as obrigações e penalidades previstas pela Lei 9.613, de 1998, que trata de lavagem de dinheiro, se
aplicarão também aos jogos e apostas.
Emenda do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), acatada
pelo relator, impede que pessoas condenadas por crimes relacionados à lavagem
de dinheiro, tráfico de pessoas, exploração de prostituição e terrorismo
assumam cargos em órgãos estatutários das entidades operadoras de jogos e
apostas.
Multas
O projeto enumera uma série de infrações administrativas que
podem sujeitar as operadoras de apostas a sanções como advertência, suspensão
das atividades por até 180 dias, cassação da licença de funcionamento,
proibição de obter nova licença e multa, que pode chegar a R$ 2 bilhões por
infração.
Entre as infrações previstas, estão explorar jogos e apostas
sem a devida autorização; realizar operações em desacordo com a autorização
concedida; dificultar a fiscalização do órgão competente; e descumprir outras
normas legais.
Crimes
O projeto tipifica novos crimes contra o jogo e a aposta.
Explorar jogos em desacordo com os requisitos da lei ou expor ou vender jogos
sem autorização poderá dar até quatro anos de detenção. Se tais práticas
envolverem menores de idade, a pena será aplicada em dobro. Receber apostas
ilegalmente poderá dar até um ano de detenção.
Fraudar jogos e adulterar resultados, por sua vez, poderá acarretar até sete anos de reclusão. A pena será aplicada em dobro se a vítima for pessoa idosa, menor de idade ou jogador compulsivo registrado no Renapro. Permitir que menores de 18 anos entrem ou participem de apostas poderá dar até dois anos de detenção.
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