Imagens: Divulgação
Boletim da agência
norte-americana NOAA classificando o ciclone como tropical detonou um debate
sobre a natureza do sistema que não oferece riscos graves ao Sul do Brasil e
tende a se distanciar do continente.
O ciclone
inicialmente extratropical que se formou junto à frente fria adquiriu
características atípicas entre a tarde e a noite da segunda-feira na foz do Rio
da Prata. O ciclone segregou da frente fria, ou seja, deixou de estar conectado
à frente e passou a se deslocar independente da trajetória do sistema frontal.
Além disso, ganhou organização e passou a apresentar convecção ao redor do seu
centro de circulação, inclusive formando um olho.
A Diretoria de Hidrografia Naval da Marinha do Brasil (DHN) em sua carta sinótica das 21h de segunda-feira (0Z) classificou o ciclone na costa do Uruguai e a Sudeste do Chuí como uma tempestade subtropical, ou seja, um ciclone híbrido, com centro quente em superfície e frio em altitude. A pressão indicada era de 988 hPa com vento sustentado de 45 nós (83 km/h) e rajadas de 50 nós (93 km/h).
Em boletim, entretanto, a agência meteorológica dos Estados Unidos (NOAA) indicou que o sistema passou por uma transição de subtropical para tropical (centro totalmente quente) na noite da segunda-feira. O comunicado observa a formação de um olho no sistema após 20h30 da segunda (hora de Brasília) e o resfriamento dos topos das nuvens ao redor do centro de circulação (CDO), indicando uma intensificação por convecção (instabilidade).
O boletim classifica o sistema como Invest, o que significa que passou a merecer monitoramento e coleta de dados pelos centros de previsão de ciclones tropicais, e ainda estima a intensidade do ciclone pela técnica de Dvorak para ciclones tropicais a partir das imagens de satélite em 3,5.
Ciclone formou um
olho na noite de segunda-feira
O número
corresponde no caso do Atlântico a uma tempestade subtropical com vento
sustentado de 102 km/h. Isso coloca o sistema no limite superior de uma
tempestade tropical e perto do estágio de furacão que é a partir de 4.0 na
escala de Current Intensity (CI) na técnica Dvorak.
POLÊMICA NA
COMUNIDADE METEOROLÓGICA
O informe da NOAA
imediatamente detonou entre os meteorologistas enorme debate sobre a formação
de um ciclone tropical em pleno mês de junho, em latitudes tão ao Sul quanto o
Uruguai (37ºS e 52ºW) eram as coordenadas informadas pela NOAA na noite da
segunda, e ainda em meio a uma poderosa onda de frio. O espanto da comunidade
meteorológica com um ciclone tropical na atual cenário meteorológico da região
se justifica. Veja os principais motivos:
– Ciclones
tropicais tendem a se formar sobre águas quentes, em regra com temperatura
superficial do oceano de 27ºC ou mais. Agora, a temperatura do mar onde o
sistema se formou está ao redor de 17ºC.
– Ciclones
tropicais tendem a se formar nos meses de verão, ou no final da primavera ou no
começo do outono. Este tipo de ciclone é uma absoluta excepcionalidade no
inverno. No Atlântico Norte, em um século e meio de dados, foram apenas 77
ciclone subtropicais ou tropicais em dezembro (primeiro mês do inverno
setentrional que corresponderia ao nosso junho) e 4 em janeiro (o equivalente
ao nosso julho) e estamos quase na virada do mês para julho.
– Ciclones
tropicais tendem a se originar em áreas entre os trópicos e, então, evoluem
para áreas subtropicais. Excepcionalmente, no Atlântico Norte, se forma mais ao
Norte. No caso do Atlântico Sul, todos os ciclones tropicais até hoje
documentados tiveram origem na costa do Brasil. Não há precedentes de
ciclogênese tropical em latitudes tão ao Sul quanto o Rio da Prata.
– Ciclones
tropicais tendem a se formar em meio a uma atmosfera quente e úmida. Este
ciclone se originou em meio a uma poderosa massa de ar polar antártica com frio
muito intenso e neve até em locais pouco acostumados ao fenômeno.
Uma vez
admitindo-se que a classificação do NOAA esteja correta, e a NOAA muitas vezes
no passado já revisou a classificação de tempestades no Atlântico Norte em
pós-análise, trata-se de um fato tão singular, incomum e do ponto de vista
meteorológico esdrúxulo que por analogia seria como se ciclone tropical se
formasse na costa Nordeste dos Estados Unidos, junto à Nova York ou à Nova
Inglaterra durante o inverno enquanto uma grande onda polar trazendo neve e
frio muito abaixo da zero na região.
Tal qual se dá
agora com os meteorologistas da América do Sul, os meteorologistas
norte-americanos ficariam estupefatos, mesmo sendo comuns ciclones tropicais na
costa Nordeste dos Estados Unidos, o que não é o caso do Uruguai e torna ainda
mais incomum a situação atual.
UMA TERCEIRA
HIPÓTESE PARA O CICLONE ATUAL
O boletim da NOAA identificou o sistema como o tropical. A Marinha do Brasil entende que é tropical. Na opinião da MetSul, a hipótese de ser um ciclone extratropical terá que ser avaliada nos vários trabalhos que certamente estudarão este sistema na academia.
Ar mais quente aprisionado no centro do ciclone no oceano
Por que a hipótese de ser um ciclone extratropical, comum e freqüente no Atlântico Sul, não pode ser desconsiderada? Em ciclones extratropicais que passaram por ciclogênese explosiva (bomba) ou são intensos, como é o caso deste sistema que é intenso e chegou a ter pressão de 979 hPa a 980 hPa na costa da província de Buenos Aires, é comum que no centro da tempestade marítima se forme o que a literatura técnica chamada de warm seclusion ou em tradução livre aprisionamento de ar quente no seu centro.
Ciclone atual tem centro quente e simétrico
Inclusive, diversas vezes há a formação de um olho. Muitos ciclones extratropicais intensos durante o inverno no Atlântico Norte, perto da Escadinávia ou mesmo perto do Reino Unido e da Islândia, já apresentaram tal característica.
“A reclusão quente (warm seclusion) ou fase madura do ciclo de vida de um ciclone extratropical freqüentemente tem características estruturais que lembram os principais ciclones tropicais, incluindo a formação de olho de vento calmo no centro barotrópico quente rodeado por ventos com força de furacão ao longo da frente quente”, dizem os autores no estudo “Warm Seclusion Extratropical Cyclones” por Ryan Maue.
PARA ONDE VAI O
CICLONE?
A tendência é que o
ciclone na costa do Uruguai siga se deslocando no sentido Nordeste. A
esmagadora maioria dos modelos numéricos analisada pela MetSul indica que o
sistema ingressaria em águas territoriais brasileiras (aí recebendo um nome
pela Marinha do Brasil) e rumaria em direção ao litoral da Região Sudeste,
rapidamente enfraquecendo.
Todos os modelos numéricos analisados pela MetSul, e estes foram muito precisos até agora quanto à trajetória do sistema desde a sua formação, indicam que em nenhum momento o ciclone avançaria em direção ao continente na costa do Sul do Brasil, logo não projetam que toque terra.
Ademais, é importante enfatizar, todos sinalizam que a tendência é que o sistema perderá intensidade ao rumar para o Norte e se tornará um sistema fraco com aumento da pressão central e diminuição do vento com o menor gradiente de pressão atmosférica ao se distanciar do centro de alta pressão associado à massa de ar frio.
QUAIS SERÃO OS SEUS
IMPACTOS?
O ciclone trouxe
vento de mais de 100 km/h para o litoral de Maldonado, no Uruguai, ao longo da
segunda-feira com estragos em Punta del Este. A MetSul não antecipa com base
nos dados atuais riscos de gravidade para o Sul do Brasil na evolução deste
sistema, salvo uma alteração surpreendente de cenário.
À medida que o
ciclone estiver mais próximo do Estado nesta terça, muitas nuvens vão estar no
Rio Grande do Sul, sobretudo no Sul e na Metade Leste do Estado com chance de
precipitação isolada. Como a circulação ciclônica vai coincidir com a parte
mais intensa do ar polar amanhã, fenômenos invernais são possíveis com a
presença de nuvens de maior desenvolvimento vertical da circulação do ciclone.
O vento aumenta. As
rajadas mais fortes nesta terça vão se dar no Sul e no Leste gaúcho com força
em alguns momentos entre 60 km/h e 80 km/h. Por isso, cidades como Pelotas, Rio
Grande, Camaquã, o litoral e a região de Porto Alegre devem ter uma terça-feira
bastante ventosa com ingresso de nuvens e sensação térmica por demais baixa
devido à força do vento e ao pico de intensidade da massa de ar frio. Será uma
terça-feira por demais fria e desconfortável para quem estiver na rua.
A atuação do
ciclone deve deixar o mar muito agitado na costa do Sul do Brasil com ondas
muito altas, especialmente em alto mar, e risco elevado de ressaca na orla.
Vento forte e mar grosso podem afetar as operações do Porto de Rio Grande que
podem ser total ou parcialmente suspensas antes de as condições começarem a
melhorar entre a quarta e a quinta com o distanciamento do ciclone.
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