Entrou em vigor
nesta sexta-feira (18) Lei Geral de Proteção de Dados. Aprovada em 2018 depois
de uma batalha de anos, a LGPD coloca o Brasil ao lado de mais de 100 países
onde há normas específicas para definir limites e condições para coleta, guarda
e tratamento de informações pessoais.
A LGPD (Lei No
13.709) disciplina um conjunto de aspectos: define categorias de dados,
circunscreve para quem valem seus ditames, fixa as hipóteses de coleta e
tratamento de dados, traz os direitos dos titulares de dados, detalha condições
especiais para dados sensíveis e segmentos (como crianças), estabelece
obrigações às empresas, institui um regime diferenciado para o Poder Público, coloca
sanções em caso de violações e prevê a criação de uma autoridade nacional.
Definições e aplicação
Segundo a norma,
dados pessoais são informações que podem identificar alguém. Dentro do
conceito, foi criada a categoria “dado sensível”, com informações sobre origem
racial ou étnica, convicções religiosas, opiniões políticas, saúde ou vida
sexual. Registros como esses passam a ter nível maior de proteção, para evitar
formas de discriminação.
Quem fica sujeito à
lei? Todas as atividades realizadas ou pessoas que estão no Brasil. A norma
vale para coletas operadas em outro país, desde que estejam relacionadas a bens
ou serviços ofertados a brasileiros, ou que tenham sido realizada no país.
Mas há exceções. É
o caso da obtenção de informações pelo Estado para segurança pública, defesa
nacional e investigação e repressão de infrações penais. Essa temática deverá
ser objeto de uma legislação específica. A lei também não se aplica a coletas
para fins exclusivamente particulares e não econômicos, jornalísticos, artísticos
e acadêmicos.
Tratamento
O tratamento de
dados é caracterizado na LGPD como “toda operação realizada com dados pessoais,
como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização,
acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento,
armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação,
comunicação, transferência, difusão ou extração”.
Esse só pode
ocorrer em determinadas hipóteses. A principal é por meio da obtenção do
consentimento do titular, mas não é a única. A ação é autorizada na lei para
cumprimento de obrigação legal, estudos por órgão de pesquisa, proteção da vida
do titular ou de terceiro, tutela da saúde por profissionais ou autoridades da
área. A administração pública pode coletar e tratar dados para a consecução de
políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em
convênios. Também fica desobrigado do consentimento a prática de “proteção do
crédito”, como o cadastro positivo.
A obtenção do
consentimento envolve um conjunto de requisitos, como ocorrer por escrito ou
por outro meio que mostre claramente a vontade do titular e ser ofertado em uma
cláusula destacada. O consentimento deve ser relacionado a uma finalidade
determinada. Ou seja, não se pode solicitar o consentimento para a posse
simplesmente de uma informação, mas deve ser indicado para que ela será
utilizada.
Contudo, o Artigo
10 da lei garante a possibilidade de um uso distinto daquele informado na
coleta, situação denominada de “legítimo interesse”. É um caso muito usado
pelas empresas, no qual a norma exige a adoção de medidas de transparência e
que nessa finalidade adicional sejam utilizados os dados estritamente
necessários.
Os dados sensíveis
têm regras específicas de tratamento. A Autoridade Nacional pode regulamentar
ou vetar o emprego destes para vantagem econômica. No caso da saúde, tal
finalidade é proibida, mas com diversas exceções, como prestação de serviços,
assistência farmacêutica e assistência à saúde.
Direitos
A LGPD lista os direitos
dos titulares. É possível, por exemplo, revogar a qualquer momento o
consentimento fornecido. Quando há uso dos dados para uma nova finalidade (na
situação de “legítimo interesse”), o controlador deve informar o titular sobre
esse novo tratamento, podendo o titular revogar o consentimento. Também é
previsto a este acesso facilitado a informações sobre o tratamento, como
finalidade, duração, identificação do controlador (incluindo informações de
contato) e responsabilidade de cada agente na cadeia de tratamento.
A pessoa pode
requisitar da empresa a confirmação da existência do tratamento, o acesso aos
dados (saber o que uma companhia tem sobre ela), correção de registros errados
ou incompletos, eliminação de dados desnecessários, portabilidade de dados a
outro fornecedor, informação sobre com qual entidade pública aquela firma
compartilhou as informações (com um ente governamental, polícia, ou Ministério
Público, por exemplo).
“As plataformas de
serviços na internet terão que solicitar o consentimento dos usuários e
informar o que é feito com eles: por exemplo, o rastreio para publicidade
direcionada, como funciona, quais dados são coletados, como e com quem são
compartilhados para esta finalidade”, explica a presidente do Instituto de
Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.Rec) e integrante da Coalizão
Direitos na Rede, Raquel Saraiva.
A coleta e o
tratamento de dados de crianças têm garantias e normas próprias. Nesse caso, é
preciso obter o consentimento de um dos pais. A única exceção é quando a coleta
em o intuito de contatar os pais. Os controladores precisam dar transparência
ao que fazem com as informações. A obtenção de dados além do necessário não
poderá ser condicionada ao uso de jogos ou aplicações de Internet. As
informações sobre o tratamento devem ser apresentadas de forma compreensível
pelas crianças.
O titular dos dados
pode também solicitar a revisão de uma decisão com base em tratamento
automatizado. Estas podem ser a concessão de crédito, a autorização para
contratação de um serviço (como um pacote de telefonia), a escolha em um
processo seletivo ou a disponibilização de conteúdos em redes sociais. O
controlador deve, neste caso, indicar os critérios e procedimentos adotados.
Papeis
A LGPD elenca o
papel dos agentes das cadeias de tratamento de dados. O titular é aquele a quem
o dado está relacionado, o controlador é o agente a quem competem as decisões
sobre o tratamento, e o operador, o que realiza o tratamento. Por exemplo, uma
cadeia de supermercados pode coletar e analisar dados de seus clientes
(controladora), mas pode contratar uma empresa para fazer isso (o operador).
Obrigações das empresas
Ao coletar dados,
as empresas devem informar a finalidade. A lei previu uma série de obrigações
para elas, que têm de manter registro sobre as atividades de tratamento, de
modo que possam ser conhecidas mediante requerimento pelos titulares ou
analisadas em caso de indício de irregularidade pela Autoridade Nacional.
Quando receberem um requerimento do titular, a resposta às demandas tem de ser
dada em até 15 dias.
Cabe aos
controladores indicar um encarregado pelo tratamento. As informações sobre este
deverão ser disponibilizadas de forma clara, como nos sites das
companhias. Caso a Autoridade determine, a controladora deve elaborar relatório
de impacto à proteção de dados pessoais das suas atividades de tratamento.
Esses entes devem
adotar medidas para assegurar a segurança das informações e a notificação do titular
em caso de um incidente de segurança. Tal exigência vale para todos os agentes
da cadeia de tratamento. Se um controlador causar dano a alguém por causa de
uma atividade de tratamento, poderá ser responsabilizado e deverá reparar o
prejuízo.
“As empresas
deverão trabalhar com a adoção de procedimentos que tenham a privacidade por
padrão, o que pode alterar a forma de coleta dos dados de algumas empresas.
Antes da vigência da LGPD era comum que serviços de Internet, por exemplo,
coletassem dados indiscriminadamente, para, posteriormente, tratá-los, sem
finalidade específica. Agora, o objetivo deve estar bem claro e ser previamente
informado ao titular dos dados pessoais, que pode concordar, ou não, em
submeter ao procedimento”, destaca Raquel Saraiva.
Poder Público
No caso do Poder
Público, a lei dispensa o consentimento no tratamento de dados para políticas
públicas previstas em leis, regulamentos e contratos. É permitido também o uso
compartilhado de dados por entes públicos, desde que respeitados os princípios
previstos na norma. Uma obrigação é que cada órgão informe as hipóteses de
tratamento de dados, incluindo a base legal, a finalidade e os procedimentos
empregados para tal.
Órgãos públicos
ficam proibidos de passar dados a entes privados, com exceção de quando estes
forem acessíveis publicamente (como em cadastros disponíveis na Internet) ou no
caso de execução de uma política pública de forma descentralizada.
As empresas
públicas (como Petrobras, Correios e Banco do Brasil) têm as mesmas obrigações
dos entes privados quanto atuam em concorrência no mercado, mas podem fazer jus
às regras próprias do Poder Público quando estiverem operacionalizando
políticas públicas.
Em 2019, o governo
federal regulamentou o compartilhamento de dados dentro da administração
pública federal. O decreto dispensou a exigência de convênio ou acordo para
essa comunicação e institui três modalidades de compartilhamento. No caso de
dados sem restrição ou sigilo, a partilha será ampla, com divulgação pública e
fornecimento a qualquer pessoa que fizer a solicitação.
A forma restrita
será adotada quando lidar com dados submetidos a obrigações de sigilo com a
finalidade de execução de políticas públicas, com modos de comunicação
simplificadas entre os órgãos. Já a modalidade específica envolve dados
protegidos por sigilo, cujo compartilhamento poderá ser feito para órgãos
determinados nas situações previstas na legislação.
Sanções e fiscalização
A LGPD lista um
conjunto de sanções para o caso de violação das regras previstas, entre as
quais destacam-se advertência, com possibilidade de medidas corretivas; multa
de até 2% do faturamento com limite de até R$ 50 milhões; bloqueio ou
eliminação dos dados pessoais relacionados à irregularidade, suspensão parcial
do funcionamento do banco de dados e proibição parcial ou total da atividade de
tratamento.
A fiscalização fica
a cargo do Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão criado com
vinculação à Presidência da República, com indicação no texto da lei de um
estudo para um formato mais autônomo dois anos depois. Até agora, o Palácio do
Planalto não instituiu a ANPD.
No dia seguinte à derrota do adiamento do início da vigência proposto na Medida
Provisória No 959, no fim de setembro, a Presidência editou decreto com a
estrutura do órgão, mas, na prática, este ainda não existe.
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