A maioria dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou em julgamento
nesta quinta-feira (26) a favor da tese de que réus delatados devem apresentar alegações finais (última
etapa de manifestações no processo) depois dos réus delatores.
Após os votos de 6 dos 11 ministros a favor dessa tese e de 3 contra, o
presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que também votará com a maioria, mas
anunciou a suspensão do julgamento para apresentar o voto na próxima sessão. A
conclusão do julgamento depende da apresentação dos votos do próprio Toffoli e
de Marco Aurélio Mello.
O presidente do Supremo disse que, na sessão de quarta-feira (2), vai
propor uma modulação do entendimento, ou seja, uma aplicação restrita da tese a
determinados casos. “Trarei delimitações a respeito da aplicação”, afirmou.
Concluído o julgamento com esse resultado, processos em que réus
delatores apresentaram as alegações finais simultaneamente aos réus delatados
podem vir a ser anulados.
Um balanço divulgado pela força-tarefa da Lava Jato indicou que poderão
ser anuladas 32 sentenças de casos da operação, que envolvem 143 condenados.
O julgamento desta quinta (26) foi motivado por recurso apresentado pelo
ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, réu na Lava Jato.
O argumento da defesa de Márcio Ferreira é que a apresentação simultânea
das alegações finais não permite ao delatado ter conhecimento prévio de
acusações do delator para poder se defender.
Os ministros ainda não definiram se anulam a sentença de Ferreira. Até
esta quinta-feira, cinco ministros votaram pela anulação, e quatro contra, mas
Toffoli adiantou que deve dar o sexto voto nesse sentido.
A divergência em relação ao resultado do julgamento da tese está no voto
da ministra Cármen Lúcia. Para ela, o eventual prejuízo sofrido pela defesa
causado pela ordem das alegações finais teria de ser comprovado.
Esse é um dos pontos que podem ser discutidos pelos ministros na
retomada do julgamento. Para outros ministros, a simples ordem simultânea das
alegações é uma nulidade que gera o prejuízo.
A decisão a ser tomada pelo plenário vale apenas para o caso específico,
mas cria uma jurisprudência, uma interpretação sobre o assunto no STF. Esse
entendimento serve para orientar tribunais do país sobre qual caminho seguir.
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também pediu anulação de duas condenações – a do
triplex do Guarujá, caso pelo qual ele está preso, e a do sítio de Atibaia,
caso pelo qual foi condenado em primeira instância.
O ministro Ricardo Lewandowski tem outros quatro pedidos semelhantes à
espera de um posicionamento do plenário. Há ainda outros processos fora da
operação que podem ser impactados pela decisão.
Como o caso chegou ao Supremo
Desde o início da Operação Lava Jato a Justiça vinha dando o mesmo prazo
para as alegações finais de todos os réus, independentemente de serem delatados
ou delatores.
Em agosto, a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine com
base nesse argumento.
Foi a primeira vez que uma sentença na Lava Jato assinada pelo então
juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, foi anulada.
Após a decisão da Segunda Turma, a discussão sobre a ordem das alegações
finais chegou ao plenário do STF.
O caso julgado é do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira,
condenado a 10 anos e três meses de prisão.
O julgamento teve início na quarta-feira (25) com o voto do relator, ministro Edson Fachin, contra anular a sentença.
Para Fachin, além de não haver previsão legal sobre a ordem das
alegações, a defesa não comprovou que houve prejuízo concreto ao réu.
Votos dos ministros
Edson Fachin (relator)
Fachin votou contra a anulação da sentença de
Ferreira, entendendo que a defesa teve acesso a todos os dados necessários do
processo durante a fase de interrogatórios e colheita de provas.
Em seu voto, o relator disse que não há na lei brasileira
norma ou regra expressa que sustente a tese de que deve haver prazo diferente
para as alegações finais de réus delatores e delatados.
Para o relator, não há qualquer prejuízo se réu delator e o delatado se
manifestarem simultaneamente. Fachin defendeu que a colaboração premiada
representa uma “das possíveis formas do exercício da ampla defesa”.
Fachin argumentou que, caso a apresentação das alegações fosse
sucessiva, também exigiria a análise prévia de cada uma pelo juiz. “Não se
verifica a nulidade arguida pela defesa”, disse.
Ainda segundo Fachin, a defesa do ex-gerente sequer argumentou que a
ordem das alegações finais teria causado prejuízo “efetivo, concreto e
específico”.
Alexandre de Moraes
O ministro Alexandre de Moraes votou pela anulação da sentença,
argumentando que o direito do réu de falar por último está contido no exercício
pleno da ampla defesa, e esse princípio também se aplica a réus delatores e
delatados. “Não são meras firulas jurídicas.”
Moraes considerou que o réu delator tem interesse “totalmente oposto” do
réu delatado, em razão de ter fechado acordo de delação premiada com o
Ministério Público. Como a pena do delator já está estabelecida, a ele caberia
apenas acusar.
“O interesse é demonstrar que suas informações [do delator] foram
imprescindíveis para obtenção de provas e condenação. Até porque, se de nada
prestar a delação, o delator não terá as vantagens que foram prometidas”,
completou.
“Nenhum culpado, nenhum corrupto, nenhum criminoso deixará de ser
condenado porque o estado deixou de observar o devido processo legal. Não há
relação entre impunidade e o respeito aos princípios da ampla defesa, do
contraditório”, concluiu.
Luís Roberto Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso votou pela manutenção da
sentença. Em seu voto, afirmou que as alegações finais não são uma inovação no
direito penal e, por isso, não devem servir como motivo para anular sentenças.
“Ninguém é surpreendido por nada que se traga em alegações finais. As
alegações finais se limitam a interpretar, analisar e comentar as provas já
produzidas”, disse.
Barroso acrescentou que, no caso específico, o réu teve novo prazo para
apresentar alegações finais complementares, mas não quis aproveitá-lo. Além
disso, afirmou que a defesa não trouxe nenhum argumento que comprove prejuízo
sofrido. “O que o colaborador disse que não se sabia?”
Relembrando vários casos de corrupção, Barroso defendeu ainda que o caso
julgado não é isolado. “Produz efeito sistêmico na legislação que ajudou o
Brasil a romper o paradigma que vigorava em relação a corrupção e criminalidade
de colarinho branco”, disse. “Agora chega-se a esse ponto, com o risco de se
anular todo o esforço que se fez até aqui.”
Luiz Fux
O ministro Luiz Fux foi o terceiro a votar contra momentos
diferentes para réus delatores e delatados apresentarem alegações finais e para
manter válida a sentença do ex-gerente.
“É claro que o delator e delatado, ambos, são réus. E corréu não pode
assumir posição de assistência de acusação. Delator e delatado se defendem em
face do Ministério Público”, defendeu.
O ministro disse também que “as alegações finais não representam meio de
prova”. “Ao chegar nessa parte, os réus já tiveram acesso a todas as provas”,
argumentou. Fux afirmou ainda que o contraditório e ampla defesa se referem a
fatos que podem surpreender.
Ao final, o ministro ponderou a necessidade de uma modulação, ou seja,
de reflexão sobre restringir os efeitos de um futuro entendimento sobre o
assunto.
"Entendo que juízes devem ter em mente as consequências do
resultado judicial. Nesse sentido, tenho absoluta certeza que vamos debater uma
modulação da decisão para que ela não seja capaz de pôr por terra operação que
colocou o país num padrão ético e moral."
Rosa Weber
A ministra Rosa Weber, quarta a votar, deu o segundo voto pela
anulação da sentença do ex-gerente da Petrobras e favorável à tese que pode
anular outras condenações. Para a ministra, é preciso dar tratamento específico
para “igualar os desiguais”.
“A interpretação da legislação há que se fazer forte nos princípios do
contraditório e da ampla defesa”, defendeu a ministra.
Segundo Rosa Weber, o conteúdo da manifestação do réu delator deve ser
levado previamente a conhecimento do réu delatado. “O prazo há de ser
sucessivo”, afirmou.
“O prejuízo ao paciente se presume, o prejuízo emerge do descumprimento
do devido processo legal”, completou Rosa Weber, argumentando que a ordem das
alegações, em si, já prejudica o réu delatado.
Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia votou a favor da tese que pode afetar
outras condenações da Lava Jato. Porém, ela fez a ressalva de que a defesa
precisa comprovar que os réus delatados sofreram prejuízo sofrido.
Com esse argumento, a ministra votou pela manutenção da sentença
específica do ex-gerente da Petrobras, pois não ficou comprovado que houve
prejuízo da defesa.
Segundo a ministra, embora não haja previsão na lei sobre a ordem das
alegações finais, é preciso fazer uma interpretação.
“O acordo de colaboração premiada é uma espécie de negócio jurídico
celebrada com o Ministério Público e a Polícia Federal. A partir dessa
sistemática, o réu, quando colaborador, tem interesse na efetividade de suas
colaborações”, afirmou.
Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski votou pela anulação da sentença e
favorável à tese de que réus delatores devem apresentar alegações finais antes
de réus delatados.
“O contraditório é um dos valores mais caros da civilização ocidental”,
afirmou. O ministro afirmou que não assusta o risco de vários processos terem
que voltar à “estaca zero”.
“Houve, sim, gravíssimo prejuízo nesse caso porque o juiz de primeiro
grau negou-lhe o direito de os delatados falarem por último”, argumentou.
Segundo o ministro, a legislação processual é anterior ao instituto da
delação premiada.
“O que está em jogo é um dos valores fundantes do estado democrático de
direito, exatamente o direito ao contraditório e a ampla defesa. Sem estes
valores, não existe estado democrático de direito”, afirmou Lewandowski.
Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do ministro Alexandre
de Moraes, pela anulação da sentença e favorável à tese de alegações finais de
réus delatores e delatados em momentos diferentes.
“Não se pode combater a corrupção cometendo crimes”, afirmou.
Mendes argumentou que não há nenhuma dúvida sobre o prejuízo sofrido
pela defesa em razão da ordem das alegações finais.
“Nenhuma dúvida de prejuízo. A não ser por um cinismo de pedra nós
podemos dizer que não há prejuízo aqui”, afirmou o ministro.
“Ele [réu delatado] foi condenado e pediu em todas as instâncias [para
falar por último e não o obteve]”, argumentou Mendes, acompanhando o voto de
Moraes.
Celso de Mello
O ministro Celso de Mello formou maioria a favor da tese de que
alegações finais de réus delatados devem ser apresentadas depois das dos réus
delatores.
Celso de Mello também concedeu o pedido do ex-gerente da Petrobras para
anular sua sentença na Lava Jato.
“Entendo que a prerrogativa do réu delatado traduz solução mais
compatível do direito de defesa”, afirmou o ministro.
“Nos casos em que há réus colaboradores e delatados, não havendo previsão
no Código de Processo Penal, a lacuna deve ser suprida pelo princípio da ampla
defesa”, afirmou o decano (mais antigo ministro) da Corte.
Segundo ele, “é inegável que o acusado tem o direito de conhecer a
síntese da acusação contra ele”.
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