Pandemia de Covid-19 tem mortes por outros quadros ocultadas, diz estudo

01/06/2020 - 20h36

Além lidar com os doentes infectados pelo novo coronavírus (Covid-19), há uma preocupação mundial com os efeitos da pandemia em outros quadros clínicos. Esse impacto pode elevar o número de óbitos durante o período.

Um estudo produzido pelo médico e pesquisador do Departamento de Assuntos dos Veteranos dos Estados Unidos, Victor Tseng, descreve que a pandemia da Covid-19 afetará o sistema de saúde em quatro ondas.

Tseng, que pesquisa medicina pulmonar e cuidados intensivos, definiu a representação como uma forma de alerta para efeitos secundários da pandemia.

Um dos especialistas brasileiros que concorda com o estudo é o cardiologista Antônio Felipe Simão, ex-presidente da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia). Em conversa com a reportagem do nd+, ele explicou as quatro ‘ondas’ de mortes descritas na pesquisa.

O estudo

Conforme Simão, atualmente a sociedade vive a primeira onda, em que há o avanço no número de infectados e de mortos pela Covid-19. São 514 mil casos confirmados e mais de 29 mil mortes no Brasil, de acordo com dados mais recentes do Ministério da Saúde.

Em Santa Catarina, o novo coronavírus já vitimou 143 pessoas, segundo dados do último boletim divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde, na noite desse domingo (31).

No entanto, segundo o estudo, a pandemia não criará apenas uma onda de doentes graves, mas quatro delas.

As “quatro ondas” foram apresentadas por Antônio Felipe Simão em uma aula que o médico ministrou na Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Além dos Estados Unidos, a abordagem é discutida por médicos de países como Austrália e Inglaterra, e ajudam a ter uma visão ampliada de como a pandemia afeta a saúde da população em geral. Embora as ondas se sobreponham em alguns momentos, cada uma tem um pico diferente, conforme o estudo.

Doentes urgentes e crônicos

Após a primeira onda, de mortes decorrentes diretamente por acometidos pela Covid-19, a segunda onda da pandemia está relacionada a complicações urgentes não motivadas pelo coronavírus.

São pacientes com outros quadros graves. “Pessoas que, às vezes, por medo da contaminação, não procuram atendimento médico e acabam morrendo em casa”, explica o cardiologista.

Em Nova York, nos Estados Unidos, o serviço de emergência do Corpo de Bombeiros registrou um aumento oito vezes maior no número de ligações com relatos de infarto entre 30 de março e 5 de abril, em relação ao mesmo período do ano passado.

O cardiologista explica que esse aumento pode ter relação também com a interrupção de tratamentos e a falta em consultas médicas. Essa associação tem ligação, inclusive, com a terceira onda de mortes durante a pandemia.

Na terceira onda estão concentradas mortes de pessoas com doenças crônicas que interromperam o tratamento durante o período. São pacientes com câncer, por exemplo.

Em Santa Catarina, a volta das consultas e cirurgias eletivas — que não são consideradas de urgência — foram anunciadas pelo governador Carlos Moisés (PSL) no dia 20 de abril. Os procedimentos estavam suspensos, em razão da pandemia, desde 17 de março.

Aumento dos problemas psicológicos

A quarta e última onda é a que compreende o avanço dos transtornos psicológicos e doenças mentais. Nota-se no gráfico que essa onda tem crescimento progressivo durante toda a extensão da pandemia. Enquanto as demais apresentam quedas após um período, esta continua a crescer.

A situação aqui é agravada pela crise econômica e pelo impacto das medidas de combate ao vírus, como o isolamento social. A morte de parentes e pessoas próximas sem que haja rituais de despedida é um dos fatores que podem desencadear quadros traumáticos.

Um dos problemas psicológicos mais recorrentes, comenta Simão, é a Síndrome de Burnout. O distúrbio está ligado a um esgotamento físico e mental intenso, que pode causar sintomas físicos como dor de cabeça, insônia e fadiga.

Essa onda engloba ainda casos depressivos graves ou de outros transtornos psicológicos. Tais fatores, associados a quadros de suicídio, podem elevar o número de óbitos.

Quadros estariam coexistindo

O especialista em saúde pública Lucio Botelho discorda dos diferentes picos de mortes. Segundo ele, os cenários descritos estariam já coexistindo ao longo da pandemia. Assim, não seriam ondas com ápices diferentes, mas sim um único momento em que a população é afetada por todos os quadros apresentados.

Os problemas psicológicos, por exemplo, seriam sentidos ao longo de toda a pandemia, com efeitos já descritos em outros países. Segundo o jornal chinês The Global Times, em alguns distritos da província chinesa de Xiam, todos os horários disponíveis para as tratativas de divórcio estavam ocupados no período pós-quarentena.

Botelho acredita ainda que a pandemia resultará também em pacientes curados, mas com doenças crônicas por sequelas da infecção. Além do pulmão, médicos têm observado a ação do SARS-CoV-2, que causa a Covid-19, nos rins, fígado, intestino, cérebro e até mesmo no coração.

Efeitos da Covid-19 em crianças são estudados

Pesquisadores tentam entender como o vírus afeta crianças. Há relatos no Reino Unido, França, Estados Unidos e Itália do aparecimento de sintomas semelhantes ao da Síndrome de Kawasaki em menores de idade que, em sua maioria, tinham anticorpos para a Covid-19.

Entre os sintomas estão erupções cutânea, glândulas inchadas no pescoço e lábios secos e rachados. Comum apenas em crianças de até cinco anos, essa doença começou a ser descrita em adolescentes de até 16 anos após o avanço da pandemia.

Esses sintomas relatados em crianças apareceram cerca de um mês após o pico de casos da Covid-19 nos países. Tal fator faz com que os pesquisadores acreditem que esse também possa ser um efeito pós-pandemia.

Em 15 de maio, a França confirmou a primeira morte no país de uma criança de 9 anos com a Síndrome de Kawasaki. O caso aconteceu na cidade de Marselha. A criança foi levada ao hospital após sofrer uma parada cardíaca em casa. Ele ficou sete dias internado e um teste sorológico comprovou a infecção pelo coronavírus.

Vítima catarinense tinha coágulos no coração

Vítima mais jovem da Covid-19 notificada pelo governo de Santa Catarina, Felipe Stefan, de 13 anos, teve complicações no coração. O caso gerou um impasse entre a Secretaria de Estado da Saúde e a prefeitura de Dionísio Cerqueira.

Felipe brincava com amigos quando teve um mal súbito no dia 22 de maio. Morador de Dionísio Cerqueira, no Oeste, ele chegou a ser encaminhado ao hospital da cidade vizinha, Guarujá do Sul, mas não resistiu.

Sem uma causa oficial para a morte, ele foi levado a um IML (Instituto Médico Legal) de referência, em São Miguel do Oeste. Durante a autópsia, foi constatada a presença de coágulos no coração do adolescente, o que levou à suspeita de infecção pela Covid-19.

Além dos pulmões, a Covid-19 pode afetar o coração. O cardiologista Antônio Felipe Simão menciona três alterações cardíacas que podem estar relacionadas ao impacto da infecção viral no órgão. São elas a miocardite, arritmias e coágulos.

Os coágulos podem atingir ainda órgãos como pulmão e cérebro, tendo como possível consequência o AVC (Acidente Vascular Cerebral).

No caso de Felipe, em dois exames feitos pelo Lacen (Laboratório de Saúde Pública) com amostras da mucosa e do pulmão, não foi detectada a presença do vírus. Mesmo com a divulgação dos resultados, o caso segue integrando a estatística estadual de mortes por Covid-19, já que o teste rápido apontou a presença do vírus.

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