A Pfizer pediu a
alguns países que colocassem seus ativos soberanos –que incluem edifícios de
embaixadas e bases militares– como garantia contra o custo de futuros processos
judiciais por efeitos colaterais, revela uma investigação conduzida pelo Bureau
of Investigative Journalism, com sede em Londres, no Reino Unido, e pelo jornal
investigativo OjoPúblico, do Peru.
Um funcionário que
esteve presente nas negociações do laboratório norte-americano descreveu as
demandas da Pfizer como “intimidação de alto nível” e disse que o governo [de
um país não-identificado] sentiu que estava sendo “chantageado”
para ter acesso às vacinas.
No caso desse país,
que não foi identificado a pedido das autoridades que prestaram depoimento para
o relatório, as demandas da gigante farmacêutica levaram a um atraso de
três meses no acordo de compra da vacina. No caso da Argentina e do Brasil,
nenhum acordo nacional foi alcançado.
No Peru, a Pfizer
solicitou durante o processo de negociação a inclusão de cláusulas que
reduzissem a responsabilidade da empresa em caso de possíveis efeitos adversos.
Qualquer atraso nos países que recebem vacinas significa um aumento constante
de pessoas que contraem Covid-19, e potencialmente morrem.
Autoridades da
Argentina e de um outro país latino-americano, cujo nome também não pode ser
revelado, já que as autoridades assinaram um acordo de confidencialidade com a
Pfizer, disseram que os negociadores da empresa exigiram uma compensação
adicional contra quaisquer ações civis que os cidadãos pudessem apresentar se
experimentassem efeitos colaterais após serem vacinados.
Na Argentina e no
Brasil, a Pfizer solicitou que os ativos soberanos fossem colocados como
garantia para cobrir possíveis custos legais futuros.
Situação semelhante
ocorreu no Peru. Nas negociações, a Pfizer teria solicitado a inclusão de
cláusulas que isentassem a farmacêutica de responsabilidade pelos eventuais
efeitos adversos da vacina ou pelo atraso na entrega dos lotes ou em futuras
ações judiciais e indenizações.
As cláusulas foram
consideradas extremas pelo Ministério de Relações Exteriores peruano, segundo
fontes próximas às negociações. As mesmas fontes apontaram que as condições neste
laboratório eram diferentes das de outros desenvolvedores de vacinas.
“Apartheid” de
vacinas
Alguns ativistas
alertam para um “apartheid de vacinas” em que países ricos poderiam ser
vacinados anos antes de regiões mais pobres. Recentemente, especialistas
jurídicos expressaram preocupação com o fato de os processos da Pfizer
constituírem um abuso de poder.
“As empresas
farmacêuticas não devem usar seu poder para limitar as vacinas que salvam vidas
em países de baixa e média renda”, disse o professor Lawrence Gostin, diretor
do Centro de Colaboração da Organização Mundial de Saúde sobre Leis de Saúde
Nacional e Global, “[Isso] parece ser exatamente o que eles estão fazendo”,
afirmou, em relação ao relatório.
A
figura jurídica da “isenção de responsabilidade” não deve ser usada como
“uma ameaça pairando sobre as cabeças de países desesperados com populações
desesperadas”, acrescentou.
A Pfizer está em
negociações com mais de 100 países e organizações supranacionais e tem acordos
de fornecimento com nove países da América Latina e Caribe: Chile, Colômbia,
Costa Rica, República Dominicana, Equador, México, Panamá, Peru e Uruguai. No
entanto, os termos desses acordos são desconhecidos.
A Pfizer declarou
ao Bureau of Investigative Journalism que, “globalmente, o laboratório
aloca doses para países de baixa e média-baixa renda a um preço sem fins
lucrativos, incluindo um contrato de compra antecipada com a Covax para
fornecer até 40 milhões de doses em 2021.” “Estamos comprometidos para apoiar
os esforços para fornecer aos países em desenvolvimento o mesmo acesso às
vacinas que o resto do mundo”, disse o porta-voz da Pfizer, apesar
da recusa em comentar as negociações privadas em andamento.
A maioria dos
governos oferece indenização (“isenção de responsabilidade”) aos fabricantes de
vacinas dos quais compram os imunizantes. Isso significa que um cidadão que
sofre um evento colateral após a vacinação pode entrar com uma ação contra o
fabricante e, se for bem-sucedido, o governo pagaria a indenização. Em alguns
países, as pessoas também podem solicitar compensação por meio de outras
estruturas sem ir a julgamento.
No entanto,
funcionários do governo argentino e do país que pediu para não ser
mencionado neste relatório indicaram à equipe desta investigação que consideravam
que as demandas da Pfizer iam além das de outros fabricantes de vacinas, e além das condições da Covax,
organização criada para garantir que os países de baixa renda tenham acesso às
vacinas. Isso representaria um ônus adicional para alguns países, porque
significa ter que contratar advogados especializados e, às vezes, aprovar uma
nova legislação complexa, a fim de isentar os fabricantes de suas
responsabilidades.
“Uma exigência
extrema”
A Pfizer buscou uma
isenção adicional em processos cíveis, para que a empresa não
seja responsável pelos raros efeitos colaterais causados por sua vacina, ou por seus próprios atos de
negligência, fraude ou dolo. Isso inclui aqueles relacionados às práticas da
empresa, como, por exemplo, se a Pfizer enviar a vacina errada ou se
cometer erros durante a fabricação do imunizante.
“Certas proteções
contra responsabilidade são garantidas, mas certamente não em casos de
fraude, negligência grosseira, má-gestão ou falha no cumprimento das boas
práticas de fabricação”, disse Gostin. “As empresas não têm o direito de
reclamar indenização por essas coisas”, concluiu.
“A Pfizer se
comportou mal com a Argentina”, disse Ginés González García, então ministro da
Saúde da Argentina. “Eles mostraram uma intolerância tremenda conosco”,
avaliou. González García renunciou no sábado passado depois que se soube que o
jornalista Horacio Verbitsky e outros argentinos foram vacinados fora do
processo formal de imunização e uma investigação foi iniciada no país
contra mais “vacinados VIP”.
As mesmas demandas
foram feitas ao Ministério da Saúde do Brasil. A Pfizer pediu indenização e
pediu ao ministério que colocasse ativos soberanos como garantia, além de criar
um fundo de garantia com dinheiro depositado em conta no exterior. Em janeiro,
o ministério brasileiro rejeitou essas condições, chamando-as de “abusivas”.
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