Por 10 votos a 1, Câmara de São Miguel do Oeste cassou o mandato da vereadora Maria Tereza Capra (PT)

Vereadores argumentaram que Maria Tereza denegriu a imagem de SãoMiguel do Oeste no país e no exterior (Foto: Ascom/Câmara)

Vereadores argumentaram que Maria Tereza denegriu a imagem de SãoMiguel do Oeste no país e no exterior (Foto: Ascom/Câmara)

04/02/2023 - 03h18

Em sessão extraordinária, que durou mais de nove horas e encerrou após as 3h da madrugada de sábado (4), a Câmara Municipal de São Miguel do Oeste cassou o mandato da vereadora Maria Tereza Capra (PT) por quebra de decoro parlamentar. Os itens do relatório final da Comissão de Inquérito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar que pediam a cassação da vereadora foram aprovados por 10 votos.

Votaram favorável à cassação os vereadores Carlos Agostini (MDB), Elói Bortolotti (PSD), Gilmar Baldissera (PP), Moacir Fiorini (MDB), Nélvio Paludo (PSD), Paulo Drumm (PSD), Ravier Centenaro (PSD), Valnir Scharnoski (PL), Vilmar Bonora (PSD) e Vanirto Conrad (PDT). Somente Maria Tereza Capra votou contra, e Cris Zanatta (PSDB) não participou da sessão. A sessão foi presidida por Vagner Passos (sem partido), que votaria somente em caso de empate.

A Comissão de Inquérito foi criada para apurar denúncias recebidas em novembro de 2022 contra a vereadora Maria Tereza Capra. A Comissão foi composta por Carlos Roberto Agostini (MDB), Gilmar Baldissera (PP) e Ravier Centenaro (PSD) e apurou denúncias que citavam, em resumo, vídeo publicado pela vereadora Maria Tereza Capra e a acusavam de ter utilizado sua rede social Instagram para “propagar notícias falsas e atribuir aos cidadãos de Santa Catarina e ao Município de São Miguel do Oeste o crime de fazer saudação nazista e ser berço de célula neonazista”; e ter sido condenada por prática de crime contra a lei de licitações, na época em que exercia a função de secretária municipal de Cultura.

RITOS DA SESSÃO

Diante do plenário lotado, o presidente Vagner Passos apresentou orientações gerais sobre a noite, pediu a colaboração dos assistentes e explicou os ritos, que começariam com a leitura das denúncias, do relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar, e das peças processuais solicitadas pela defesa. Passos ressaltou que na sequência a defesa terá o prazo de duas horas para fazer a sustentação oral. Por fim, explicou que concluída a defesa, serão realizadas tantas votações nominais quantas forem as infrações articuladas nas denúncias e vertidas no relatório final da Comissão de Inquérito. Destacou que são três fatos, e que para cada um, cada parlamentar terá até 15 minutos de fala.

Vagner Passos explicou que das duas denúncias se extrai a existência de três fatos; que cada votação deve alcançar o voto de dois terços, pelo menos, dos membros presentes e votantes, em curso de qualquer das infrações especificadas nas denúncias, para ser aprovada. Disse que concluído o julgamento, será proclamado imediatamente o resultado, com lavratura de ata que consigne a votação nominal sobre cada infração e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato. Passos ressaltou que no caso de o resultado da votação ser absolutório, o presidente determinará o arquivamento do processo. Citou que em qualquer dos casos, a Justiça Eleitoral será comunicada sobre o resultado.

LEITURA DO PROCESSO

Na sequência o primeiro-secretário da Mesa Diretora, Moacir Fiorini (MDB), leu as denúncias oferecidas contra a vereadora. Dando sequência, o segundo-secretário, Ravier Centenaro (PSD), leu o relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. Moacir Fiorini retomou a leitura com as peças processuais solicitadas pela defesa (pedido de impedimento, alegação final, artigo acadêmico, reportagens, ofício do Senado e quesitos).

ALEGAÇÕES DA DEFESA

Nas alegações finais, ou seja, na defesa da vereadora Maria Tereza Capra (PT), a defesa argumentou sobre a suposta parcialidade do então presidente da Câmara, Vanirto Conrad, e de dois dos três membros da Comissão de Inquérito, Ravier Centenaro e Carlos Agostini; apontou supostas falhas e vícios do processo, como a inépcia das denúncias populares, em que as peças acusatórias não descrevem a quebra de decoro; e afirma que a Comissão de Inquérito Parlamentar proferiu decisões “arbitrárias e contraditórias”, entre outras supostas falhas do processo e o cerceamento de defesa. Por fim, a defesa rebateu as questões de mérito.

Em resumo, a defesa pede a declaração de nulidade do procedimento ético disciplinar; a elaboração, pela Comissão de Inquérito Parlamentar, de parecer conclusivo pelo arquivamento do procedimento administrativo; que sejam julgados improcedentes os pedidos deduzidos nas representações, com a subsequente absolvição da vereadora, tendo em vista a não comprovação de prática de quebra de decoro parlamentar pela denunciada; e “na improvável hipótese de alguma procedência do presente procedimento, que não seja aplicada a penalidade de cassação do mandato”.

SUSTENTAÇÃO ORAL

Na sustentação oral da defesa, iniciada já após as 23h desta sexta-feira (3), a vereadora Maria Tereza Capra agradeceu o apoio de seu partido, com dezenas de membros presentes à sessão; falou das ameaças que recebeu desde novembro, especialmente via redes sociais; citou que esse é seu terceiro mandato, e que aprendeu muito durante a vereança. Capra manifestou aos colegas que muitas vezes é possível mudar seu voto no decorrer do processo, após ter outros entendimentos.

Em relação às denúncias, Capra disse que nem tudo é o que parece; afirmou que não foi ela quem gravou o vídeo (que viralizou), mas que fez um comentário em outro vídeo, em seu Instagram com 1.800 seguidores, e que o vídeo ficou por cerca de uma hora no ar, pois retirou-o depois de receber vários comentários. Criticou a Câmara que fez uma moção de repúdio no dia 3 de novembro de 2022, sugerindo que em vez disso a Câmara poderia ter feito uma reunião para refletir sobre o simbolismo do gesto feito em frente ao quartel.

Capra citou situações vividas na Câmara em que poderia pedir, mas não pediu, quebra de decoro parlamentar de colegas vereadores. Por fim, Maria Tereza dissertou sobre as dificuldades da mulher entrar na política, como a dupla jornada, com a criação dos filhos. Ainda, lamentou que não foi ela quem divulgou o vídeo que viralizou, e sim pessoas que estavam nas manifestações.

Maria Tereza disse que é no parlamento onde é possível equilibrar um pouco as forças; que estão aqui 11 homens, uma vereadora está ausente, e uma vereadora que vai ser cassada. “Isso é representatividade?”, questionou. Ela afirmou que a luta pela representatividade da mulher irá continuar, com ou sem ela. Ainda apelou para que os vereadores poderiam “fazer história” nessa noite, pedindo que os vereadores votassem contra o relatório.

Seguindo a sustentação oral da defesa, o advogado Sérgio Graziano falou da lealdade na política. Ressaltou que o processo é de perseguição política, que não há qualquer fato jurídico, político ou social que justifique o pedido de cassação. Afirmou que em seus 31 anos de advocacia, em todas as suas defesas jamais viu tamanha injustiça. Disse que espera que a Câmara reconheça a exuberância e a honradez de Maria Tereza Capra.

Na sequência, Graziano focou sua fala na defesa da imunidade parlamentar. “Está na hora dessa Casa Legislativa mostrar que a imunidade parlamentar não é um privilégio da pessoa física, do parlamentar ou da parlamentar. Ela existe para proteger o pensamento, especialmente o pensamento das minorias”, argumentou.

Graziano falou que todos os votos depositados nos vereadores têm o mesmo valor, que é a outorga que a população deu para os vereadores e para Maria Tereza Capra. Disse que os vereadores de São Miguel do Oeste querem relativizar o valor do voto. O advogado explanou sobre as garantias existentes para os membros do Poder Judiciário, comparando com a imunidade parlamentar, garantia dos membros do Poder Legislativo, ressaltando que são garantias para a sociedade. “Só faz sentido um vereador ter imunidade se for para servir à coletividade, senão não faz sentido”, afirmou. O representante da defesa disse que quando os vereadores se elegem, suas manifestações e votos são imaculados, indefectíveis, e o que garante isso é a imunidade parlamentar.

Sérgio Graziano disse que compreende a indignação de parte da população ao ver o vídeo de Maria Tereza Capra, em que esta repudia um gesto, comparando-o ao gesto feito no nazismo, que representa o que de pior há na humanidade. Ele afirmou que no vídeo Maria não ofendeu nenhuma pessoa, não citou nenhuma pessoa, não fez nenhum movimento judicial para criminalizar qualquer um que estava naquelas manifestações.

“Não é comum ouvir o Hino Nacional com a mão estendida daquela forma. Nem a força militar faz isso”, apontou. “Quando a Maria Tereza Capra faz esse vídeo, já estava em curso a investigação promovida pelo Ministério Público, para saber se ali existia ou não um crime de incitação ao ódio, ou crime de atos antidemocráticos”, relembra.

O advogado citou moção de apelo aprovada nesta semana na Câmara, pedindo a veículos de imprensa que divulgassem o resultado da investigação do MP; ele afirmou que na moção os próprios vereadores entendem que não foi a partir do vídeo de Maria Tereza que São Miguel do Oeste ficou conhecida como “terra de nazistas”, ressaltando que o vídeo foi divulgado inclusive pela imprensa nacional. “Os senhores reconhecem que não foi Maria Tereza Capra quem fez a divulgação”, afirmou, novamente citando a moção.

Graziano disse que tem certeza de que as pessoas da manifestação não tiveram a intenção de fazer saudação nazista. E citou outros símbolos que não devem ser feitos, como o que representa “white power”, com gesto feito com as mãos, ou mesmo tomar copo de leite em público, símbolos de supremacistas brancos. E comparou com o braço com o gesto estendido que, afirmou, o mundo e até a imprensa local entenderam como um gesto nazista. “Esses gestos, pelo seu simbolismo e representação histórica, devem ser evitados”, afirmou. Disse que não se pode responsabilizar Maria Tereza Capra por ter visto um gesto nazista naquela manifestação, quando todos interpretaram dessa forma até que houvesse a explicação por parte dos manifestantes.

Na sequência, Sérgio Graziano falou sobre o outro fato presente na denúncia, sobre a condenação de Maria Tereza Capra por crime contra a lei de licitações. Ele destacou que esse crime foi eliminado na nova lei de licitações, por ser um erro formal no processo. “Esse fato deixou de ser crime, é simples”, afirmou, ao destacar que é “gigantesca” a chance de Maria Tereza Capra ser inocentada na justiça em relação a essa condenação.

Ao final, Graziano fez um apelo aos vereadores. Disse que a possível cassação de Capra macularia a imagem da Câmara, ao usar o “verniz da legalidade” para encobrir uma perseguição política. “Se essa Câmara tiver consciência, ela pode sair muito maior do que começou essa sessão de hoje”, afirmou. Ele pediu o arquivamento da denúncia e, se não for possível, que a pena seja a de advertência.

VOTOS

Os vereadores votaram três itens previstos nas denúncias e no relatório final da Comissão de Inquérito. O primeiro item é o não conhecimento de um dos fatos contido na denúncia de protocolo nº 2929, visto que de competência exclusiva do Poder Judiciário, ou seja, pelo arquivamento desse fato. O item foi aprovado por unanimidade dos vereadores presentes.

Antes da votação do segundo item, Maria Tereza Capra ressaltou que a defesa fez um pedido de uma pena alternativa, de advertência, em vez de perda do mandato. O presidente Vagner Passos fez nova pausa na sessão para os vereadores deliberarem sobre o pedido.

No retorno, Vagner Passos colocou em votação a tese de defesa pelo arquivamento, em relação ao segundo item (conhecimento dos pedidos delineados nas denúncias de protocolo nº 2929 e 2957, relativos ao vídeo produzido e veiculado). A tese de arquivamento foi rejeitada por 10 votos a um, com voto favorável apenas de Maria Tereza Capra. Em sequência foi votada a tese da defesa pela desclassificação, com pena alternativa de advertência, também em relação ao segundo item. A tese de desclassificação foi rejeitada por 10 votos a um, com voto favorável apenas de Maria Tereza Capra.

CASSAÇÃO DO MANDATO

Rejeitadas as teses da defesa, deu-se seguimento à votação dos demais itens do relatório da Comissão de Inquérito Parlamentar. O segundo item do relatório é o conhecimento dos pedidos delineados nas denúncias de protocolo nº 2929 e 2957, relativos ao vídeo produzido e veiculado, e por consequência cassar o mandato da vereadora Maria Tereza Capra, decretando a perda do mandato. O item foi aprovado por 10 votos a um, com voto contrário apenas de Maria Tereza Capra, que se ausentou da sessão após proferir o voto.

Já o terceiro item é o fato II, delineado na denúncia de protocolo nº 2957 – em relação à condenação em segunda instância por órgão colegiado, a seis anos de detenção, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, por prática de crime contra a lei de licitações perpetrado contra esse município –, conhecendo no todo, dando provimento para cassar o mandato da vereadora Maria Tereza Capra, decretando a perda do mandato. Novamente os vereadores fizeram votação nominal das teses da defesa, que pedia o arquivamento ou a desclassificação, e a rejeitaram por unanimidade. Já a conclusão da Comissão de Inquérito, que pedia a cassação, foi aprovada por 10 votos. Maria Tereza Capra já havia se retirado da sessão e não votou.

Com o resultado da votação, o presidente Vagner Passos anunciou a perda do mandato da vereadora Maria Tereza Capra. Com a cassação da vereadora, o primeiro suplente do Partido dos Trabalhadores deve ser convocado para assumir a cadeira de Capra na Câmara.

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  • por
  • Jornal Regional
  • FONTE
  • JRTV



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