O Brasil tem hoje
mais de sete mil empresas em recuperação judicial. Pelos cálculos do Ministério
da Economia, a remontagem total de créditos ligada a essas empresas alcançou R$
285 bilhões em maio. Os dados mostram que o número de empresas que decretaram
falência também cresceu. O dígito registrado em junho, puxado pela pandemia,
chegou a 71,3% a mais do que se comparado ao mesmo período de 2019.
Aprovado no último
dia 25 de novembro, o projeto de lei 4458/2020
prevê algumas alterações na Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº. 11.101/2005), o que
promete aliviar esse cenário.
“A aprovação do PL
é um avanço importante no sistema de recuperação judicial, especialmente pelas
novidades que ela traz, agilizando a recuperação, aumentando o parcelamento de
débitos das empresas, regulamentando a capacidade e a possibilidade de as
empresas em recuperação tomarem financiamento. Em termos gerais, ela moderniza
o sistema de recuperação e de falência, torna a legislação nacional mais
equivalente a legislações mais avançadas de países europeus e, sobretudo,
contribui numa situação de crise gerada pela pandemia”, comenta o economista do
Ibmec Jackson De Toni.
O relator do
projeto no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), acredita que o texto é necessário,
mesmo que o Brasil não estivesse passando pelo atual momento. “O PL está em
consonância com o desenvolvimento jurisprudencial de 15 anos, sendo certo que a
lei que se visa alterar, a lei 11.101/05, merece ser reformada e atualizada,
mesmo que não estivéssemos enfrentando uma grave pandemia, e com mais razão
nesse caso.”
Se aprovada, a nova
lei promete ampliar o prazo para o pagamento de dívidas tributárias, dando mais
agilidade aos processos de recuperação judicial. Uma das mudanças é o aumento
do prazo de parcelamento dos débitos com a União das empresas em recuperação
judicial, passando de sete para dez anos.
O texto
regulamenta, ainda, os empréstimos tomados por essas empresas, uma vez que os
novos financiamentos terão preferência de pagamento entre os créditos
contraídos no processo de recuperação. Além disso, os bens pessoais dos
devedores poderão ser usados como garantia, desde que haja autorização
judicial.
Na avaliação do
senador Rodrigo Pacheco, o PL é quase um “código” que disciplina a recuperação
judicial e extrajudicial e a falência. “O projeto auxilia a empresa em crise ao
ampliar os meios de recuperação judicial, tais como a capitalização de
créditos, a troca de administradores e a venda integral da empresa sem assunção
de dívidas pelo comprador.”
Uma inovação
jurídica importante trazida pelo PL, na opinião de Pacheco – que também é
advogado –, é em relação à “indústria da recuperação judicial.”
“O projeto traz
medidas adequadas para estancar a indústria da recuperação judicial, isto é, a
fraude da empresa saudável que se vale da recuperação judicial para abusar
contra o direitos de seus credores, e o faz com adoção de maior rigor na
necessária comprovação contábil da crise econômico-financeira do devedor e com
maior vigilância sobre seu devedor e seus administradores para evitar o
esvaziamento de bens na recuperação. E ainda ao impedir que empresas fictícias
ou inexistentes se valham da recuperação judicial por meio da constatação in
loco sobre a existência e funcionamento da empresa devedora”, detalha.
Ambiente de negócios
O economista do
Ibmec William Baghdassarian defende que o PL faz parte de um plano para tornar
o Brasil um ambiente de negócios mais saudável, já que a aprovação ajudaria a
melhorar o posicionamento do Brasil no ranking Doing Business, do Banco
Mundial, que tem como um dos indicadores a “Resolução de Insolvência”.
“À medida em que
temos um ambiente de negócios em que as empresas conseguem se recuperar
rapidamente, que as empresas têm mecanismos institucionais, robustos e com
certa segurança para que se recuperem, você traz mais incentivo tanto para a
pessoa que concede o crédito quanto para as pessoas empreenderem. Isso é muito
bom e torna a economia mais simples”, avalia Baghdassarian.
Para ele, as
alterações deixaram a lei mais moderna. “Primeiro, ela traz um fortalecimento jurisprudencial,
pois muitos entendimentos que existiam na lei anterior e que tinham sido
decisões judiciais ainda eram contestados por tribunais. O texto traz também um
reequilíbrio na relação entre devedores e credores durante a recuperação
judicial. Isso é importante porque os credores ficam prejudicados, mas a
empresa também fica muito fragilizada”, acredita o economista.
Outra vantagem da
nova lei, caso seja sancionada pela Presidência da República, é a segurança
jurídica aos agentes envolvidos no processo. “Ela cria, por exemplo, o conceito
do que é um voto abusivo, que vem a ser qualquer tipo de relação ou decisão não
proporcional. Além disso, ela moderniza, desburocratiza e torna mais célere
várias etapas do processo de recuperação judicial e da falência, vários prazos
foram reavaliados e permite deliberação por meio eletrônico, bem alinhado com o
que estamos vivendo”, destaca o economista.
Inovação
Para o advogado
Thales Falek, a aprovação do PL pelo Senado abre uma nova perspectiva para a
Lei de Recuperação Judicial e de Falências. “Apesar de algumas imperfeições
dentro do projeto, é fato que as mudanças nos processos recuperatório e
falimentar são necessárias diante de alguns gargalos”, avalia.
Ele reforça que as
principais alterações na lei dizem respeito a uma dilação de prazo para
pagamento de dívida tributária, uma possibilidade de tomada de recurso
financeiro no mercado com oferecimento de garantias pessoais – item considerado
inovador pelo advogado –, além de viabilizar o manejo do pedido de recuperação
judicial pelo produtor rural.
“Havia uma
discussão jurisprudencial acerca disso, se o produtor rural poderia ou não
solicitar recuperação judicial. Essa nova lei encerra essa discussão, incluindo
o produtor como um dos legitimados a propor esse recurso”, acrescenta
Falek.
Na opinião do
especialista, é mais do que necessário viabilizar a recuperação judicial,
especialmente em meio à pandemia. “Essas discussões vêm sendo travadas desde
2016, mas por conta desse cenário catastrófico – em termos negociais de mercado
e por ter afetado vários segmentos –, é mais do que necessário o País se
organizar agora para gerar uma segurança maior na busca da reestruturação de
negócios.”
De um modo geral,
na opinião de Thales Falek, a nova lei moderniza o sistema recuperacional
existente hoje no Brasil. “Ele torna o processo mais transparente, traz uma
melhoria na recuperação de crédito, o que vai trazer impactos positivos na
economia, ainda mais por conta desse contexto de pandemia. É fundamental a
gente fomentar essa discussão e os modelos de recuperação judicial e de
falência para aumentar ainda mais a rapidez na retomada de recuperação e de um
cenário positivo para a economia brasileira”, finaliza.
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