Diante do atual cenário de colapso do sistema de saúde, com
filas de mais de 400 pacientes por leitos de UTI, com diversos hospitais
fechando seus pronto-atendimentos e uma média de óbitos por leito de UTI de
64%, a Promotoria de Justiça da saúde com atuação estadual e a Defensoria
Pública do Estado ajuizaram, na noite desta quarta-feira (10/3), ação civil
pública com pedido de tutela de urgência para que o Estado estenda as
restrições dos finais de semana por 14 dias contínuos, sem prejuízo de outras
restrições de atividades que entenda possíveis e necessárias à maior eficiência
da medida, em especial com relação a atividades industriais.
Cientes de que essa medida, pontual e extremamente necessária
no momento, trará consequências para os setores econômicos, a ACP, protocolada
na 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital, busca, também, que o Estado apresente
plano econômico de socorro emergencial e compensatório para minimizar o impacto
aos segmentos e pessoas físicas diretamente afetados pelas restrições de
funcionamento, principalmente às microempresas, empresas de pequeno porte e
profissionais autônomos e liberais.
Recomendação dos técnicos e especialistas é de que precisamos
de restrições que durem pelo menos 14 dias para quebrar o ciclo de transmissão
do vírus. Por isso, é essencial que o Estado, segundo a ação requer, tenha em
48 horas um plano de ação de fiscalização das medidas de restrição de
circulação que serão implementadas, envolvendo a atuação dos órgãos
identificados nos arts. 3º e 5º do Decreto Estadual n. 1.172/2021.
COES
A ação busca, ainda, que o Estado recomponha a equipe
técnica de médicos e demais profissionais da saúde que fazem a análise dos
cenários epidemiológicos relacionados à pandemia e recomendação de ações
necessárias com base "evidências científicas e em análises sobre as
informações estratégicas em saúde", como exigido pelo art. 3º, § 1º, da
Lei n. 13.979/2020, bem como que os pareceres elaborados por essa equipe sejam de
conhecimento público ou, no mínimo, juntados semanalmente aos autos.
De acordo com a ação, o plano de retomada gradual e segura
das atividades deve ser apresentado em sete dias, contendo avaliação e
recomendações da equipe técnica da Secretaria de Estado da Saúde sobre o
momento para a forma e o momento para que aconteça, com análise técnica do
cenário epidemiológico e melhora nas taxas de casos novos e ocupação de leitos,
no intuito de evitar novo descontrole da transmissão.
ACP após recomendação e
monitoramento
A ação civil pública, que tem o objetivo de
restabelecer a condução da política pública de enfrentamento da covid-19
fundamentada na ciência e, especialmente, nas recomendações de seu corpo
técnico, foi ajuizada após o Executivo estadual não acatar recomendação
expedida de forma conjunta pelos órgãos de controle de fiscalização do Estado e
o Gabinete Gestor de Crise do MPSC avaliar que as medidas do governo adotadas
somente nos finais de semana não foram suficientes para conter o avanço da pandemia,
aliviar a pressão sobre o sistema hospitalar e garantir atendimento adequado de
saúde a todos os catarinenses. E as medidas anunciadas nesta quarta-feira
(10/3) também não demonstram efetividade.
A ação judicial está estruturada em sete tópicos, que abordam
todo o cenário atual da pandemia no Estado e tem como base depoimentos de
médicos e epidemiologistas da própria Secretária de Estado da Saúde,
manifestações de diversas entidades e parecer técnico do TCE.
Avanços da pandemia
De acordo com a ação, a última atualização da avaliação de
risco potencial, cuja matriz foi publicada no dia 6.3.2021, apresenta, pela
segunda semana consecutiva, todas as 16 regiões em grau de risco potencial
gravíssimo e com avaliação de quase todos os respectivos indicadores no patamar
máximo.
Os Boletins Epidemiológicos divulgados pelo Estado de Santa
Catarina demonstram que, na última semana (entre 1º e 7 de março), foram
confirmados, em média, mais de 5.271 casos por dia, ao passo que na semana
anterior (22 a 28 de fevereiro) esse número já foi de 4.517 por dia. E dados
extraídos em 9/3 do painel de BI da Secretaria de Estado da Saúde,
disponibilizado na plataforma Boavista, demonstram que apenas no LACEN existem
8.934 testes aguardando liberação, o que demonstra o recebimento de amostras
muito superior à capacidade de processamento.
Dados extraídos nesta quarta-feira de painel de BI da
Secretaria de Estado da Saúde demonstram, ainda, que existem 40.760 casos
ativos em Santa Catarina e um total de 710.307 casos confirmados, maior número
já registrado no Estado desde o início da pandemia ¿ (havendo, ainda uma
quantidade enorme de exames represados aguardando por resultado).
Esse aumento aconteceu de forma bastante acelerada, uma vez
que há pouco mais de 1 mês, conforme Boletim Epidemiológico de 24.1.2020, o
número de casos ativo era de 16.731. E, ainda, antes do verão, conforme Boletim
Epidemiológico de 16.10.2020, o número de casos ativos era de 7.677.
Óbitos
A ação demonstra, ainda, que, em apenas 55 dias de 2021,
ocorreram 1.742 mortes em Santa Catarina, o que equivale a 32,4% de todas as
mortes ocorridas em 2020 (10 meses contabilizados a partir do primeiro óbito).
E esse número está lamentavelmente crescendo vertiginosamente nos últimos dias,
reflexo do colapso do sistema hospitalar, sendo registradas 450 mortes na
semana retrasada (de 22 de fevereiro - 6.988 óbitos registrados - a 1 de março
- 7.438 óbitos registrados), média de 64 óbitos por dia, e 624 mortes na última
semana (de 1 de março - 7.438 óbitos registrados - a 8 de março - 8.062 óbitos
registrados), média de 89 óbitos por dia.
"Esses números altíssimos não são novidades para o
gestor. O crescimento acelerado dos casos já vem sendo observado ao longo
das últimas semanas, resultado do verão, ainda que o maior impacto sobre o
sistema hospitalar e número de óbitos tenha ocorrido mais recentemente",
ressaltam os autores da ação, Promotores de Justiça Luciano Trierweiller
Naschenweng, com atuação na saúde em âmbito estadual; Douglas Roberto Martins,
coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e Terceiro
Setor (CDH); e o Defensor Público-Geral do Estado, Renan Soares de Souza, e
Defensora Pública do Estado, Ana Paula Berlatto Fão Fischer.
Ressalta-se, ainda, que matriz de avaliação de risco
potencial não vem sendo considerada pelos gestores Estadual e Municipais em
suas tomadas de decisão, considerando que o objetivo do instrumento é alertar
para indicadores de atenção que permitam antecipar situações de maior gravidade
e adotar medidas para evitá-la.
Estados vizinhos
Na ação, o MPSC e a DPE comparam o atual cenário catarinense
com os dos estados vizinhos, Paraná e Rio Grande do Sul. Os números revelam
que, apesar de uma situação de colapso do sistema hospitalar proporcionalmente
menor que o Estado de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul implementaram
medidas significativamente mais restritivas e de impacto na circulação de
pessoas, atendendo à recomendação de seus comitês técnicos.
"O colapso do sistema hospitalar de Santa Catarina é
maior proporcionalmente que os Estados vizinhos. Não obstante, as medidas
adotadas estão aquém das implementados pelos respectivos governos
Estaduais."
Conforme Boletim divulgado no dia 9.3.2021, o Estado do
Paraná conta com 1.506 leitos de UTI Adulto SUS exclusivos para pacientes com
COVID, dos quais 1.438 estão ocupados e 68 vagos, o que resulta em uma taxa de
ocupação de 95%. A ocupação de leitos de UTI Adulto SUS para pacientes com
outros agravos está em apenas 66% naquele Estado (1.088 existentes e 718
ocupados).
O Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, não separa no
painel de dados os leitos de UTI exclusivo COVID dos leitos de UTI Geral.
Conforme o sistema , dos 2.211 leitos de UTI Adulto SUS do Estado, 2.119 estão
ocupados, o que representa uma taxa de ocupação de 95,8%.
A rede Privada apresenta taxa de ocupação dos leitos de UTI
Adulto de 124,2%. Dados do dia 4/3 apontavam para a existência de 288 pacientes
aguardando por leito de UTI Adulto SUS no Estado, o que corresponde a cerca de
13% dos leitos existentes.
Segundo dados desta terça-feira (9/3), Santa Catarina tem
1.309 leitos de UTI Adulto no SUS, dos quais 840 exclusivos para pacientes com
COVID, estando com 100% deles ocupados. Na mesma data, são 395 pessoas
aguardando por vaga em leito de UTI COVID, o que corresponde a 47% do total de
leitos do Estado destinados para esses pacientes.
Dignidade da pessoa humana
A adoção ou não de medidas de distanciamento social é
atribuição exclusiva da Autoridade Sanitária e do chefe do respectivo Poder
Executivo, porém devem fazê-lo sempre com base nas necessárias "evidências
científicas" e "análises sobre as informações estratégicas em
saúde", conforme exige o § 1º do art. 3º da Lei n. 13.979/2020.
Porém, o exponencial crescimento das curvas de infecções,
hospitalizações, internações graves e óbitos já não permite que se trate do
atual cenário apenas como uma crise ¿da pandemia¿, mas como um colapso
generalizado do sistema público de saúde no Estado. O atual momento afronta
diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana.
"Não se trata mais de adotar ações preventivas. Sequer
incidem os princípios da precaução ou da prevenção, considerando que o dano já
está acontecendo, com o colapso do sistema de saúde que impossibilita
atendimento integral, universal e igualitário a todos os cidadãos
catarinenses", ressalta o Promotor de Justiça.
Estão submetidos a filas de espera mais de 400 pessoas
aguardando por vaga em leito de UTI. Trata-se, neste momento, portanto, de
medida impositiva a intervenção imediata na circulação de pessoas, sem margens
para experimentação de medidas parciais, dado que o erro custará ainda mais
vidas.
Economia
Os esforços do Estado de preservação da economia geraram
resultados bastante positivos, comemorados amplamente, com recordes de
arrecadação nos últimos meses de 2020 e 15% de crescimento no mês de janeiro de
2021 em comparação com o mesmo mês do ano anterior.
No momento, portanto, é necessário reconhecer que a
saúde e a dignidade da pessoas precisam ser preservadas. Dessa forma,
medidas de apoio aos estabelecimentos e profissionais atingidos pela
providência são essenciais à manutenção da dignidade dessas pessoas.
No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, que adotou
medidas restritivas, estabeleceu ações para minimizar os impactos de
eventuais restrições aos setores produtivos, fomentando a continuidade dos
negócios e a preservação de empregos e de renda.
"O Estado de Santa Catarina possui excelente corpo
técnico-tributário, que será capaz de avaliar as medidas possíveis a partir da
interpretação dos inúmeros dispositivos trazidos pela legislação extravagante,
pela adesão e replicação de convênios do CONFAZ hoje existentes ou mesmo a
oferta de medidas insertas no artigo 151 do Código Tributário Nacional, como, por
exemplo, a moratória, que poderá ser restringida especificamente aos principais
setores atingidos", ressaltam os autores da ação.
Caso a liminar seja deferida e não cumprida, o MPSC e a DPE
requerem fixação de multa pessoal no valor de R$ 50.000,00 por dia de
descumprimento, ao Secretário de Estado da Saúde e ao Governador do Estado de
Santa Catarina.
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