O Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou
nesta quinta-feira (8) um novo relatório que analisa e compila as descobertas
científicas mais recentes sobre o aquecimento global. O documento reafirma a
necessidade de limitar o aquecimento da Terra em até 1,5ºC e, entre outros
pontos, destaca a importância da Amazônia nesta tarefa.
O documento do IPCC foi organizado especificamente para apresentar
cenários sobre como o uso da terra contribui para o fenômeno e como o próprio
aquecimento afeta a gestão da terra. O relatório contou com a coordenação de
mais de 100 especialistas de 52 países, sendo a maioria de países em
desenvolvimento.
O texto trata de quatro temas principais ligados ao aquecimento global e
às emissões derivadas do uso do solo: mudanças
de uso da terra(desmatamento incluso), segurança alimentar, degradação do solo e desertificação.
O documento analisa uma série de estudos científicos publicados até
abril de 2019, que comprovam que a temperatura do planeta está subindo.
Destaques do relatório do IPCC:
O aumento da temperatura global
nas áreas continentais é mais alto do que o aumento da
temperatura média Terra; enquanto nosso planeta está cerca de 1ºC mais quente,
nos continentes onde os humanos vivem o aumento já atingiu de 1,4ºC a 1,5ºC;
O relatório deixa claro que é inviável a meta de não passar dos 1,5ºC sem
forte sequestro de carbono, uma tarefa importante que envolve as florestas
tropicais, como a Amazônia;
Se o desmatamento na Amazônia atingir 40% da floresta,
chega-se a um ponto irreversível tanto para barrar o aquecimento global quanto
para a sobrevivência do ciclo da floresta como é hoje;
As emissões dos gases do efeito estufa relacionadas à agricultura,
florestas (desmatamento, principalmente) e outros usos do solo representam 22%
do que é liberado no mundo;
O documento não pede uma redução no
consumo de carne, mas alerta para a necessidade de uma diversificação da dieta para reduzir as emissões.
Até 2050 serão 10 bilhões de pessoas no mundo, um cenário preocupante para
conciliar produção de alimentos e energia;
Ao avaliar os impactos da desertificação e da escassez de água,
o relatório aponta que 8% das terras no Brasil já sofrem alguma forma de
degradação relacionada. Na Caatinga, a estimativa é de 50% da área;
No Brasil, o aquecimento pode reduzir as safras de milho em 5,5% a cada grau
Celsius de aquecimento. Nos EUA, esse percentual pode chegar a 10,3%;
O pesquisador Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), é autor
de um dos capítulos. Ele ressalta que o documento do IPCC adverte para os
riscos do desequilíbrio na condução do futuro do planeta.
"O relatório
mostra os perigos que a humanidade tem hoje de não traçar um bom equilíbrio
entre produção de alimentos, mitigação de CO², redução de desmatamento e
bioenergia" - Paulo Artaxo, pesquisador da USP
Amazônia
Há referências diretas ao Brasil e à Amazônia, mas o relatório não
reserva capítulos específicos para um só país. Um estudo do pesquisador
brasileiro Carlos Nobre, que segue em atualização e refinamento científico
desde 2007, é referendado pelo documento. Ele trata de um "tipping
point" para a floresta, um "caminho sem volta".
Nobre considera que o desmatamento da Amazônia é irreversível se chegar
a 40% da área da floresta, em um cenário em que o aquecimento global é
desconsiderado. Em outra projeção, se o desmatamento for zero, mas o clima
continuar a esquentar em mais 4ºC, também não seria possível reverter os
efeitos da degradação no bioma.
Nobre também criou um modelo de previsão para os fatores que vemos
atualmente: com desmatamento, aumento dos incêndios e efeito do gás carbônico.
Assim, não podemos passar de 20% a 25% de devastação da floresta. Nos últimos
30 anos, o percentual acumulado já soma 18% em território brasileiro.
Florestas e o CO²
As mudanças do uso do solo relacionadas às florestas (desmatamento),
agricultura e outras atividades, como o uso de fertilizantes, representam 22%
das emissões dos gases causadores do efeito estufa no mundo, de acordo com o
relatório. Há um aumento de mais de 40% dessas emissões desde 1950.
O pesquisador Paulo Atarxo explica que as florestas tropicais têm um
papel fundamental no que chama de "reciclagem de carbono". "Uma
floresta na Amazônia pode ficar madura em 30 a 40 anos, enquanto florestas
boreais demoram 80 a 100 anos para amadurecer. A reciclagem do carbono é muito
mais rápida em áreas tropicais e isso coloca uma pressão enorme sobre a questão
das florestas tropicais. Nisso, o Brasil é particularmente sensível",
explica.
Eventos extremos e incêndios
O IPCC observou uma forte ligação entre o El Niño e as secas no período
entre 1979 e 2000 no Brasil. Os eventos extremos, incluindo o calor e a seca,
aumentaram a frequência e intensidade dos incêndios florestais – durante a seca
de 2015, o fogo aumentou 36%, mesmo com uma taxa de desmatamento em queda
naquele ano, outro dado referendado pelo relatório.
Apesar de não ser o principal emissor de gases, os incêndios têm um
papel relevante no Brasil.
"A seca aumenta o incêndio florestal. A maioria desses incêndios,
grande maioria, não é natural. Eles são provocados pela ação humana, muito
disso está ligado com a limpeza de pasto. Mas por que a floresta fica muito
mais inflamável, ela fica superseca, então um pequeno incêndio que tem uma
fagulha levado pelo vento pode se propagar por quilômetros dentro da
floresta", explica Nobre.
"Aumenta muito a emissão de gases e, mais importante que isso,
também mata árvores, o que também tem o mesmo efeito".
Próximo relatório e reuniões
Em setembro o IPCC deve divulgar outro relatório, desta vez dedicado a
avaliar a literatura científica mais recente sobre a mudança climática e o
oceano e a criosfera – água em estado sólido, como geleiras e áreas cobertas
pelo gelo.
Antes disso, a comunidade científica se reúne a partir de 19 de agosto
em Salvador, na Bahia, para um novo painel sobre o clima.
Em novembro o debate será no Chile, que vai sediar a 25º Conferência das
Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas. Cotado para receber os
pesquisadores, o governo brasileiro resolveu desistir do evento.
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