Em maio de 2012, a atriz global Carolina Dieckmann, 41 anos,
viu sua vida virar de cabeça para baixo. E não foi por conta dos papéis
interpretados nas novelas, como a famosa Camila, em “Laços de Família”. A loira
teve, há oito anos, 36 fotos íntimas vazadas para o Brasil inteiro por hackers
que invadiram o computador da atriz. Na época, a repercussão foi grande, mas
não havia nenhuma lei brasileira que caracterizasse esse tipo de ação como
crime.
No final desse mesmo ano, a então presidente Dilma Rousseff sancionou uma
lei que levou o nome da atriz, alterando dispositivos do Código Penal
Brasileiro e tipificando delitos e crimes informáticos. A lei entrou em vigor
em abril do ano seguinte, mas gerou algumas críticas de especialistas do setor,
que avaliaram os dispositivos da Lei 12.737/12 como “muito amplos” e com
possibilidade de gerar dupla interpretação.
No meio desse impasse, em 2013, foi a vez de outra mulher passar pelo
mesmo constrangimento. Após o término de um namoro, a vítima, que não teve o
nome revelado por questões de segurança, teve fotos íntimas publicadas, sem
autorização, por seu ex-companheiro em uma rede social. A atitude do rapaz tem
até um nome: pornografia de revanche ou de vingança. A alegação do abusador,
muitas vezes, é o rancor ou a inconformidade pelo fim do relacionamento.
Nessa semana (28), esse caso sofreu uma reviravolta. A Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a rede social com as fotos
publicadas a pagar indenização de R$ 20 mil à vítima por danos morais. “Essa
decisão representa um grande marco para a sociedade. Ela permite aos titulares
dos dados o poder de limitar que sua intimidade seja exposta e ainda impõe uma responsabilidade
de moderação e controle para as empresas fornecedoras de soluções de redes
sociais”, avalia o ethical hacker e professor do Instituto Brasileiro de
Mercados de Capitais (Ibmec/DF) Alex Rabello.
Durante o julgamento do caso, houve alegação de que não ocorreu fato
ilícito, uma vez que a rede social na época retirou as fotos em que a mulher
aparecia completamente nua – mas manteve as que ela aparecia parcialmente sem
roupa ou sem o rosto à mostra.
Na decisão, a ministra do STJ Nancy Andrighi entendeu que “o fato de o rosto da vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais na hipótese, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade.”
Crime
Três anos depois, outro estudo da entidade, que mantém parceria com o
Ministério Público Federal e com a Polícia Federal para monitorar violações de
direitos humanos na internet, apontou que 20% dos brasileiros já haviam enviado
e recebido os chamados “nudes” e, dentre estes, 6% alegavam terem reenviado o
material íntimo para outras pessoas.
“Essa prática já era disseminada há muito tempo e, infelizmente, não havia
ainda punição especificada em lei, não havia um crime específico. Isso era um
problema”, pontua o coordenador do Centro de Tecnologia Sociedade (CTS) da FGV
Direito Rio, Ivar Hartmann.
Ele lembra que somente em 2018 o Código Penal Brasileiro passou a tratar a
conduta específica como crime, com pena de até cinco anos de reclusão e aumento
de pena se o autor tem ou tinha relação íntima com a vítima. “Mas é bom frisar
que, mesmo que não exista essa relação de afeto, ainda assim é crime”,
ressalta. Na esfera cível, a vítima pode buscar a indenização por danos morais,
como foi o caso de 2013 julgado recentemente pelo STJ.
“A mulher sofre muito mais com esse tipo de divulgação do que o homem. Muitas depois de demitidas têm até dificuldade em encontrar outro emprego, porque sofrem esse preconceito de que se o criminoso divulgou essas imagens é porque, de certa forma, ela teria uma parcela de culpa nisso. Isso pode gerar danos materiais também”, alerta Hartmann.
Marco da internet
Ivar Hartmann explica que o marco civil veio no sentido de proteger a
vítima abrindo exceção a uma regra geral, que é a de portar uma ordem judicial
para obrigar a rede social a retirar a publicação indevida, caso ela se recuse
a fazê-la por simples notificação. “No caso da pornografia de vingança, mesmo
sem a ordem judicial, uma simples mensagem que a vítima mande à plataforma já
obriga a retirada da publicação, podendo a plataforma ser responsabilizada caso
não a retire.”
Mas, na opinião do especialista, a lei não é um ganho tão grande em relação a essa modalidade de crime. “O marco civil não é a legislação que mais trouxe avanço nesse sentido. O que ela fez foi explicitar as consequências e responsabilidades dos provedores digitais que já eram aplicadas pelo Judiciário. O ganho maior foi com a inserção do crime no Código Penal em 2018”, defende.
Constrangimento
“Algumas pessoas chegaram a falar que eu estava fazendo isso para chamar
atenção. Eu ficava desesperada sem saber o que fazer, me senti péssima”,
relata. O ex-namorado de Viviane também teve a intimidade violada e, segundo
ela, isso também mexeu com o lado emocional do rapaz.
A psicóloga clínica Raquel Estrela explica que a pornografia de revanche
tem pesos diferentes para homens e mulheres. “Para a mulher, essa vingança traz
muita humilhação, reclusão social e julgamentos, além de assédio sexual e
moral. Com todos esses sentimentos, vão surgindo também complicações
emocionais, acarretando depressão, transtorno de ansiedade generalizada,
levando até ao suicídio”, esclarece.
Na opinião de Raquel Estrela, o apoio da família é essencial em situações
como essa. “Além do apoio familiar, há também ONGs que acolhem mulheres vítimas
de pornografia de vingança. Caso a mulher esteja com emocional muito abalado, é
importante procurar ajuda profissional, com psicólogo e/ou psiquiatra, que
podem auxiliá-la e escutá-la para reverter esse quadro, para que não se chegue
a uma situação tão drástica quanto um suicídio.”
O Ethical Hacker e professor do Ibmec/DF Alex Rabello frisa que é a vítima
deve procurar uma delegacia nesses casos. “Pornografia de revanche é crime,
busque seus direitos”, alerta. E ele aproveita para dar algumas dicas de
segurança.
“Reflita se há necessidade de expor, de permitir que o companheiro tire
fotos ou filme a relação de intimidade. Se assim mesmo permitir, solicite à
pessoa que apague a foto ou o vídeo após a visualização. Crie senhas para o
celular e para desbloquear pastas de fotos e vídeos. E não se esqueça de
habilitar a confirmação em duas etapas. Redes como Instagram, WhatsApp e
e-mails já permitem isso”, pontua.
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