"Se vamos
pedir à lei os filhos que a natureza não nos deu, devemos seguir os requisitos
legais, esta é a questão", argumentou a Procuradora de Justiça
Eliana Volcato Nunes na abertura da sustentação oral do Ministério Público de
Santa Catarina (MPSC) no julgamento do pedido de habeas corpus que
um casal impetrou para recuperar a guarda provisória de uma menina que tenta
adotar fora da fila de espera do Cadastro Único Informatizado de Adoção
(CUIDA). A 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
(TJSC) acolheu o entendimento do MPSC e votou por unanimidade contra a
concessão do habeas corpus.
O julgamento
ocorreu nesta terça-feira, em sessão por videoconferência, devido às medidas de
enfrentamento à pandemia de covid-19.
Esta já é a segunda
decisão de segundo grau, nesse mesmo caso, favorável à tese do MPSC de que o
casal não poderia se aproveitar de sua situação como família acolhedora para
criar laços de afinidade com a criança que pretende adotar e, assim, usar de
má-fé a exceção prevista no artigo 50, parágrafo 13, do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) que permite a adoção fora do CUIDA e do Sistema Nacional
de Adoção. Em dezembro, o casal havia tentado reaver a guarda provisória da
criança por meio de uma liminar, que lhes foi negada, também atendendo ao MPSC na ação de adoção que ajuizou para
adotar a menina.
Para o Ministério
Público, o casal, que já atuava como voluntário há anos nas casas-lares de um
município do Alto Vale do Itajaí, teria se inscrito no programa municipal de
famílias acolhedoras após conhecer a menina, que, na época, tinha
aproximadamente três anos de idade. A intenção do casal, com isso, seria criar
laços familiares com a pequena com o objetivo de, no momento oportuno,
ingressar com uma ação judicial de adoção alegando a exceção prevista no ECA:
"Art. 50.
[...] Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no
Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: [...] § III -
oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3
(três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove
a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a
ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238
desta Lei".
Parta a Procuradora
de Justiça, ficou claro que o casal quis aproveitar uma lei criada para a
proteção da criança para atender aos próprios interesses pessoais e não para
garantir os direitos da menina. "Esta é a questão: a proteção das crianças
está fundada no cumprimento das leis que regem a adoção. As regras podem ser
mitigadas, sim, em circunstância excepcionalíssima, nas não para acobertar quem
conscientemente descumpre as regras, e sempre em benefício da criança",
evidenciou Eliana Volcato Nunes.
Família
acolhedora não pode pretender adoção
O casal não estava
cadastrado no CUIDA e declarou que não pretendia adotar um filho quando se
inscreveu no programa. Essa é uma condição fundamental para se candidatar a ser
uma família acolhedora, pois o objetivo do acolhimento é o de possibilitar às
crianças que estão em processo de adoção outras formas de cuidados, em ambiente
familiar, fora das casas-lares, para que a experiência sirva de transição na
reintegração à família natural ou para o encaminhamento a uma família adotiva.
Com a chegada da
pandemia de covid-19 e as medidas restritivas e de distanciamento social
decretadas pelo Estado e pelo Município, o casal obteve a guarda provisória da
menina, com o fim exclusivo de permitir que o marido e a mulher a levassem para
morar com eles em um ambiente mais seguro para a saúde da criança. Em dezembro
eles ingressaram com a ação judicial pedindo a adoção fora do CUIDA.
Nessa época, a
criança já estava em processo de adoção por uma família legitimamente
cadastrada no CUIDA, inclusive passando pelo processo de adaptação para a nova
casa que deve ser o seu lar definitivo.
Esse fato também
foi destacado pelo Ministério Público, e desconsiderá-lo seria uma forma de
desrespeitar um conjunto de regras desenvolvidas para aperfeiçoar o sistema de
adoção e garantir os direitos das crianças e dos pais que buscam realizar o
sonho de ter filhos por meio da lei, conforme sustentou a Procuradora de
Justiça. "Cada vez que uma decisão, em um processo qualquer, quebra a
força da regra legal que estrutura a adoção e que foi fruto de uma longa luta
pela conscientização da necessidade de se proteger as crianças, não os adultos
envolvidos no processo, estamos permitindo a desmoralização do cadastro e o
desalento dos que cumprem a lei", enfatizou Volcato Nunes.
O relator do
processo, Desembargador Saul Steil, votou pela negação do habeas corpus,
entendendo, como o Ministério Público, que, se a criança fosse mantida sob os
cuidados do casal, em situação irregular e de incerteza jurídica, tal decisão
não atenderia aos melhores interesses da menina.
Por se tratar de
uma decisão em ação judicial de adoção na área da família, o processo segue em
segredo de justiça e as identidades dos envolvidos não são publicadas.
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