74ª fase da Lava Jato investiga esquema em operações de câmbio com taxas superfaturadas na Petrobras

10/09/2020 - 11h33

Foi deflagrada nesta quinta-feira (10) a 74ª fase da Operação Lava Jato, resultado de investigação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF), com o cumprimento de 25 mandados de busca e apreensão nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e três intimações judiciais no estado do Rio de Janeiro, bem como de ordem de bloqueio de ativos financeiros mantidos por 22 pessoas naturais e jurídicas envolvidas na trama criminosa, em contas no Brasil e no exterior, até o limite de R$ 97,965 milhões.

São alvos de mandados de busca e apreensão três executivos do Banco Paulista, em São Paulo e outras cinco pessoas ligadas às empresas utilizadas no esquema no Rio de Janeiro. Além de três funcionários que trabalharam à época na gerência de câmbio da Petrobras, também são alvos das medidas cautelares quatro de seus familiares, sob os quais recaem suspeitas de participação na dissimulação e na ocultação das variações patrimoniais a descoberto, por meio de empréstimos e doações ideologicamente falsos.

As medidas objetivam aprofundar as apurações relacionadas ao envolvimento de funcionários da Diretoria Financeira da Petrobras em rede criminosa capitaneada por altos executivos do Banco Paulista, voltada à prática de crimes contra a Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de capitais, mediante a utilização, em larga escala, de mecanismos de ocultação e dissimulação da origem ilícita de ativos financeiros. 

As investigações revelaram que, entre agosto de 2008 e março de 2011, o Banco Paulista intermediou o equivalente a R$ 7,7 bilhões em operações de compra e venda de dólares com a Petrobras, volume transacionado por apenas três funcionários da gerência de câmbio. Foram encontradas diversas evidências de direcionamento indevido de contratos e de majoração artificial das taxas de câmbio, que apontam para um dano aos cofres da Petrobras estimado preliminarmente em US$ 18 milhões – o equivalente a quase R$ 100 milhões, no câmbio corrente. 

Mensagens codificadas  A partir do relato de executivo do Banco Paulista à época dos fatos, hoje colaborador, apurou-se que os agentes da mesa de câmbio do banco em São Paulo eram instruídos, por meio de mensagem codificada enviada por gerente do escritório de representação do banco no Rio de Janeiro, a incluir determinado sobrepreço nas taxas de câmbio das operações celebradas com a Petrobras. Na orientação verbal, transmitida por telefone nas manhãs de fechamento dos contratos, utilizava-se do código “x” latas de cerveja, como equivalência da manipulação indevida. Cada lata de cerveja representava um milésimo de real na taxa de câmbio, de modo que 8 latas de cerveja representariam acréscimo ou decréscimo de oito milésimos de real, a depender da modalidade do contrato de câmbio (compra ou venda de dólares). 

O procurador da República Antonio Diniz destacou que o acréscimo ou decréscimo nas taxas de câmbio era quase imperceptível, na casa dos milésimos de real. "O prejuízo à Petrobras, no entanto, em razão do volume bilionário negociado, alcançou quase R$ 100 milhões. A própria variação cambial intrajornada tratava de esconder as evidências de irregularidades, em sofisticado “modus operandi” que torna o crime quase perfeito. Muito dificilmente se conseguiria juntar as peças desse quebra-cabeça – cuja montagem ainda está em curso – sem a experiência acumulada pelos membros e servidores da Força-Tarefa Lava Jato, e o trabalho conjunto com várias instituições parceiras, como a Polícia Federal, a Receita Federal e o Setor de Integridade Corporativa da Petrobras”.

Para dissimular e distribuir os ganhos ilicitamente gerados nas operações de câmbio com a Petrobras, o Banco Paulista firmou contratos fraudulentos de consultoria com a empresa de fachada QMK Marketing e Qualidade, com vistas à geração de recursos em espécie. Do valor bruto das notas fiscais ideologicamente falsas, emitidas por serviços nunca prestados, revelou-se que o equivalente a 81% eram devolvidos ao escritório do banco no Rio de Janeiro, por meio de empresa de transporte de valores.  

Há evidências de que, no período que vigoraram os negócios com o Banco Paulista, os funcionários da Petrobras e seus familiares tiveram variação patrimonial positiva a descoberto e buscaram encobrir a riqueza auferida de maneira potencialmente ilícita com a utilização de mecanismos de lavagem de dinheiro, como o pagamento de imóveis com dinheiro vivo, a aquisição sem lastro financeiro de imóvel de alto padrão no Rio de Janeiro, reformado e explorado como pousada pelos investigados e seus familiares, e a propriedade de direitos e ações em empresas offshore no Panamá, nas quais mantiveram milhões de dólares em nome dessas empresas em contas bancárias sediadas na Suíça, em Andorra, Liechtenstein e nos Estados Unidos. Há indicativos de que as operações de lavagem de capitais, para ocultação dos valores recebidos sem aparente causa lícita, ocorreram até 2020.

Provas – O procurador da República Alexandre Jabur explicou que “entre as provas colhidas na investigação, destacam-se mensagens de e-mail dos funcionários da Petrobras e planilhas obtidas com a contribuição do Departamento de Integridade Corporativa da companhia, que também analisou parte das gravações da mesa de câmbio e detectou falhas no atendimento dos padrões corporativos do setor. De outra parte, são robustas as evidências colhidas no tocante ao esquema de geração de dinheiro em espécie no Banco Paulista, a partir das sobras geradas pela manipulação das taxas de câmbio dos contratos com a Petrobras, por meio das empresas QMK Marketing e E-Frame."

As apurações caminham para precisar o recebimento de recursos ilícitos em nome de empresas offshore pelos funcionários da Diretoria Financeira da Petrobras, bem como eventual extensão a outras instituições financeiras, a partir da análise e do rastreamento da origem dos valores mantidos nas contas bancárias no exterior.

Para o procurador da República Alessandro Oliveira, “a deflagração de hoje é prova de que o trabalho coordenado no combate à corrupção, por meio de forças-tarefas, merece ser reforçado e difundido. A complexidade dos crimes ora investigados torna virtualmente impossível que se encontre a verdade dos fatos numa atuação atomizada do Ministério Público ou da Polícia Federal, por maior que seja a dedicação ao caso".

Autos 5021175-64.2020.4.04.7000

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