A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Respiradores ouviu, nesta quinta-feira (14), as cinco primeiras testemunhas a deporem na investigação de supostas irregularidades na dispensa de licitação para compra de 200 respiradores mecânicos pela Secretaria de Estado da Saúde. Foram pagos R$ 33 milhões antecipadamente pelos equipamentos, mas até agora o Estado não recebeu qualquer unidade.
Foram ouvidos o chefe da Defesa Civil do Estado, coronel BM João Batista Cordeiro Junior; o ex-secretário-adjunto da Casa Civil Mateus Hoffmann; o advogado Leandro Adriano de Souza; a diretora de G estão de Licitações e Contratos da Secretaria de Estado da Administração, Karen Sabrina Bayestorff Duarte; e a advogada Mariana Rabello Petry.
Na próxima terça-feira (19), outras cinco testemunhas prestarão depoimento: Janaína Silveira dos Santos Siqueira, gerente de Contratos e Licitações da Defesa Civil; Carlos Eduardo Besen Nau, lotado na Defesa Civil; Débora Regina Vieira Trevisan, consultora jurídica da Defesa Civil; Iná Adriano de Barros, técnica em atividades administrativas da Secretaria de Estado da Comunicação; e João Gilberto Rocha Gonçalves, representante legal do Instituto Nacional de Ciências da Saúde, que mora em São Paulo e será ouvido por videoconferência.
Segundo o relator da CPI, deputado Ivan Naatz (PL), nessa fase a ideia é ouvir pessoas que possam esclarecer como funciona o trâmite de compras e licitações dentro da estrutura do governo do Estado.
Sem pressão
O chefe da Defesa Civil de Santa Catarina, João Batista Cordeiro Júnior, negou qualquer tipo de pressão por parte de representantes do governo estadual durante os procedimentos para a compra do Hospital de Campanha que seria instalado em Itajaí. A indagação feita por integrantes da CPI aconteceu mediante estratégia elaborada por Naatz, que deseja conhecer o funcionamento dos procedimentos sobre o assunto para comparar com a questão da aquisição dos respiradores, objeto de apuração da comissão.
Os questionamentos foram feitos pelos deputados João Amin (PP), Felipe Estevão (PSL) e Sargento Lima (PSL). Cordeiro Júnior afirmou que jamais viu ou suspeitou de atos ilícitos e que os ex-secretários Helton de Souza Zeferino (Saúde) e Douglas Borba (Casa Civil), e o secretário de Administração, Jorge Eduardo Tasca, não fizeram qualquer tipo de pressão para o favorecimento de nenhuma empresa envolvida no processo.
Ele esclareceu ainda que a decisão pela licitação do hospital foi baseada em “projeções futuras, levando em consideração situações semelhantes no Brasil e no mundo”. Segundo ele, com as condições momentâneas, que previam um excesso de internações provocadas pela pandemia, havia a certeza de que a rede estadual de hospitais seria insuficiente para atender a demanda. Perguntado sobre quem deu a ordem para instalação em Itajaí do primeiro dos dez hospitais previstos, o chefe da Defesa Civil respondeu que a indicação foi feita pela Secretaria de Estado da Saúde.
O relator da CPI questionou se Cordeiro Júnior conhecia o advogado Leandro Adriano de Barros, ex-secretário de Saúde de Biguaçu, pessoa de confiança do ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, e que tinha ligação com a Associação Mahatma Gandhi, que venceu a licitação para instalar o hospital no Pavilhão da Marejada, em Itajaí. O chefe da Defesa Civil afirmou que desconhecia Barros anteriormente. “A empresa dele teve menor preço entre as quatro concorrentes”, comentou.
Ele também explicou que a decisão de não repetir a licitação, que fora suspensa pela Justiça, se deu ao fato de uma mudança de cenário. “As projeções [de número de internações] começaram a ficar melhor, e a [secretaria de Estado da] Saúde lançou edital para compra de leitos em hospitais particulares”, afirmou. Segundo ele, dois mandados de segurança apresentados contra a licitação e os questionamentos feitos pela Assembleia Legislativa também pesaram nessa decisão.
O deputado Milton Hobus (PSD) perguntou sobre a participação do governador Carlos Moisés (PSL) nas reuniões do Grupo de Ações Coordenadas, criado no início da pandemia. “Nos primeiros dias elas eram diárias e o governador sabia dos encaminhamentos. Agora não tem a mesma periodicidade, pois muita coisa já foi sanada”, respondeu Cordeiro Júnior.
Adjunto da Casa Civil nega participação
Em seguida, a CPI ouviu Mateus Hoffmann, secretário-adjunto da Casa Civil, que disse desconhecer os motivos pelos quais foi intimado a comparecer. Hoffmann negou participação no processo de compra dos respiradores e disse que não sabe se o ex-secretário Douglas Borba teve participação no caso. Também disse desconhecer pressões por parte de Borba sobre outros secretários.
Hoffmann – que por enquanto permanece no cargo apenas porque o ato de exoneração ainda não foi publicado – afirmou não saber se o governador Carlos Moisés da Silva tem conhecimento de todos os atos praticados por Borba na Casa Civil. O deputado Valdir Cobalchini (MDB) questionou se ele sabia se a compra havia passado pelo Grupo Gestor do governo. Hoffmann disse que não sabia porque a prerrogativa de contato com o grupo era do secretário, não do adjunto.
Ele disse que não conhece qualquer servidor da Secretaria de Estado da Saúde. “É o secretário quem vai”, explicou. Também afirmou que não costumava ir até a Defesa Civil. “Só estive lá uma vez nestes dois meses de pandemia para pegar uma assinatura com o secretário Douglas Borba, que estava lá na ocasião”, afirmou.
Hoffmann afirmou que conhece Borba desde o tempo da faculdade e que por cinco anos foi sócio dele num escritório de advocacia. Também se relacionavam quando Borba era vereador e Hoffmann, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Planejamento de Biguaçu. Disse, no entanto, desconhecer o patrimônio pessoal de Borba.
Questionado pelo relator, contou que conhece, mas não é amigo, do advogado Leandro Adriano de Barros e que não sabe dizer se ele é amigo de Borba. Também afirmou nunca ter visto, na Casa Civil, Leandro, a advogada Mariana Rabello Petry, sócia de Leandro, ou Anisio Petry, irmão de Mariana e ocupante de um cargo na Junta Comercial do Estado.
Hoffmann respondeu ao presidente da CPI, deputado Sargento Lima, que tem a atribuição de gerir todos os contratos internos da Casa Civil. Ao deputado Ivan Naatz, afirmou ser membro remunera do dos conselhos fiscais da Casan e do Ciasc e que ainda não sabe se deixará as funções. Naatz, ao final do depoimento, sugeriu que Hoffmann saia dos dois conselhos.
“Lá precisamos de quem se lembre das coisas, e o senhor não tem memória”, disse Naatz.
Decisão de pagar antecipado foi de Helton Zeferino
O advogado Leandro Adriano de Barros, ex-secretário de Saúde de Biguaçu e apontado como representante da Veigamed, foi o terceiro a depor na CPI. Ele negou ter participação no suposto esquema de fraude, responsabilizou o ex-secretário da Saúde Helton Zeferino pelo pagamento antecipado dos respiradores – mesmo sem exigência da fornecedora dos equipamentos – e disse que seu nome foi envolvido indevidamente por um cliente.
Barros garantiu que só tomou conhecimento do caso e da existência da Veigamed em 3 de abril, dois dias após o pagamento antecipado dos equipamentos pela Secretaria de Estado da Saúde, quando recebeu uma ligação do empresário Fabio Guasti, da empresa Meu Vale, cliente de seu escritório de advocacia desde fevereiro de 2019. Segundo Barros, Guasti disse estar preocupado com os rumores de que a Veigamed não tinha como entregar os respiradores.
“O Guasti me liga nervoso dizendo que pessoas de Santa Catarina estão falando mal da empresa dele. Disse que representava a empresa que vendeu 200 respiradores e que ele cumpriria o contrato”, afirmou. “E me pediu que tranquilizasse a Marcia Pauli”, completou.
Barros contou que, entre 21 e 22 de março, recebeu solicitação do então secretário Douglas Borba para cotações de respiradores. “Neste período entre 22 de março e 1 de abril, peguei uma cotação de R$ 95 mil por respirador e outra de R$ 100 mil por unidade, equivalente a US$ 19 mil, com pagamento apenas na entrega”, revelou. “Tem que investigar por que não comprou um respirador de R$ 95 mil e comprou um de R$ 165 mil”, completou Barros, que garantiu não ter recebido qualquer comissão pelo negócio e nem mesmo saber que a compra havia sido fraudulenta.
Questionado pelo deputado Ivan Naatz o porquê de ter sido procurado por Borba, uma vez que não tem empresa de comércio exterior e nunca havia vendido nada para o governo do Estado, Barros respondeu ser advogado especializado na área de saúde, que tem muitos clientes no setor e, por isso, uma ampla rede de relacionamentos. “Na visão dele (Douglas Borba), eu poderia ajudar”, avaliou.
“Mas o senhor em algum momento identificou que a Veigamed não tinha referência? Não estranhou que em quatro dias o equipamento seria entregue, mesmo com toda essa procura e com a China fechada, aviões parados?”, questionou Naatz. “Não tratei da proposta, não tratei do contrato. Até o pagamento eu não participei do negócio”, respondeu Barros, que disse desconhecer alguma ligação entre Douglas Borba e Fabio Guasti.
Leandro Barros afirmou que considerava o preço dos respiradores fora do valor de mercado e revelou que a proposta da Veigamed não exigia pagamento antecipado. “A entrada pedida era de 50% do valor”, disse Barros. “A relação de compra, a responsabi lidade de pagamento antecipado, não é da Marcia, mas do Helton”, afirmou.
Sobre seu relacionamento com Douglas Borba, disse ser “colega, não amigo” do ex-secretário. “Não frequento a casa dele. Conheço a esposa, que é médica, e nos aproximamos pelo meu cunhado, que é suplente de vereador e assumiu quando o Douglas Borba foi para a secretaria”, explicou. Barros negou ter qualquer tipo de sociedade com Borba. Questionado sobre uma suposta indicação de seu irmão Juliano Barros – atualmente num cargo na Prefeitura de Florianópolis – para um cargo na Casa Civil pelo então secretário, negou a informação.
Barros negou, ainda, ter trânsito livre na Saúde, disse conhecer o ex-secretário Helton Zeferino “apenas por telefone”, mas que ele era “muito fechado”. “Considero que ele não tinha qualificação para o cargo. Na condição de gestor, quando você deixa gente qualificada de fora, começo a questionar”, disse.
O advogado negou qualquer irregularidade cometida por sua mãe, Iná Adriano de Barros, servidora há 40 anos do governo do Estado e agora membro suplente de comissão de licitação na Secretaria de Estado da Comunicação.
“Há 20 anos, no governo Amin, ela assumiu um cargo e foi mantida nos governos Luiz Henrique, Raimundo Colombo e Pinho Moreira. Agora, com a reforma administrativa, o cargo foi extinto e ela ficou apenas com uma função gratificada e ganha adicional por licitação que participa, mas só trata de licitações relativas à publicidade, não de áreas de empresas que eu represento”, ressaltou.
Diretora explica os procedimentos nas licitações
A diretora de Gestão de Contratos da Secretaria de Estado da Administração, Karen Sabrina Bayestorff Duarte, explicou em detalhes à CPI como são os procedimentos de licitações do governo do Estado, os principais cuidados que devem ser tomados e as responsabilidades de cada um nos processos de compra de materiais permanentes – como é o caso dos respiradores.
Considerada pelo deputado Valdir Cobalchini como “a principal autoridade em compras, a quem as outras secretarias recorrem em caso de dúvida”, Karen esclareceu que o ordenador primário de cada órgão é quem tem a obrigação de assinar o edital, a homologação e a ordem de pagamento das compras. “No caso de dispensa de licitação, ele também assina”, afirmou.
Questionada sobre a obrigatoriedade de análise de compras de materiais permanentes acima de R$ 650 mil pelo Grupo Gestor, a diretora revelou que uma resolução de 2017 dispensou esse procedimento para secretarias que fazem ações finalísticas, ou seja, que ofertam bens e serviços diretamente à sociedade. “É o caso das secretarias da Saúde, da Educação, Segurança Pública e Administração Prisional”, explicou.
A diretora também disse que cada órgão tem autonomia para fazer suas licitações, e que a Secretaria da Administração assume o processo quando é para mais de uma secretaria. “Nesse caso dos respiradores, a Saúde tinha autonomia”, garantiu.
Sobre pagamento antecipado por produtos, Karen afirmou que, embora exista jurisprudência, “não é comum, não é padrão”. Ela informou que com a pandemia, a Administração postou orientações para as compras e as divulgou “o máximo possível”, mas que não se lembra se a divulgação dessas orientações foi antes ou depois da compra dos respiradores.
Questionada pelo deputado Ivan Naatz sobre quem teve que “apertar o botão” para liberar o pagamento, ela foi taxativa. “Quem tem por lei que autorizar a despesa é o ordenador da pasta. Dentro do órgão eles podem se organizar para ter outras instâncias de controle. Mas só paga com a assinatura do ordenador”, garantiu. No caso dos respiradores, o ordenador era o então secretário, Helton Zeferino.
Karen explicou que os passos dos processos de compra precisam ser executados por áreas distintas, para respeitar o que chamou de “segregação de funções”. “Quem autoriza não pode ser a pessoa que executa, que não pode ser a pessoa que paga e que não pode ser a pessoa que fiscaliza”. Segundo ela, a delegação de cada função é feita pelo secretário da pasta.
A diretora ressaltou que numa dispensa de licitação o secretário não tem poder para escolher o fornecedor sem uma justificativa, que é necessário dizer por que está escolhendo aquela empresa. “Se havia apenas uma empresa, deveria constar do proces so”.
Ela explicou que a compra com dispensa de licitação é feita de duas maneiras: ou vai ao mercado e procura o produto e se opta pelo menor preço ou se abre um edital e se recebe propostas. A publicidade dos atos de dispensa é obrigatória, mas somente após a conclusão. Ela disse que sobre a compra dos respiradores, apenas “olhou superficialmente o processo e que não sabe a justificativa para isso”.
Questionada pelo deputado Fabiano da Luz (PT) a quem caberia barrar empresas “oportunistas”, ela disse que era à Controladoria Geral do Estado, mas que desconhecia alguma consulta que tenha sido feita nesse sentido.
O deputado Sargento Lima lembrou de uma declaração do governador Moisés, sentado ao lado do secretário, de que “nós tomamos a decisão mediante uma atitude de desespero”. “Se ‘nós tomamos’ é porque ‘nós sabíamos’”, disse o parlamentar. Questionada sobre a declaração, a diretora disse não poder opinar, pois não sabia em que contexto se deu essa fala do governador.
Sócia de Barros soube do caso pela imprensa
A sessão da CPI foi finalizada com o depoimento da advogada Mariana Rabello Petry, sócia do escritório de advocacia de Leandro Adriano de Barros. Mariana garantiu que desconhecia a Veigamed e que não soube da compra dos respiradores até que o caso viesse à tona pela imprensa. “Quando saiu na mídia, eu questionei o Leandro”, afirmou.
A respeito das mensagens entre Barros e a servidora Marcia Pauli, deu a mesma versão do advogado, de que tudo começou com a ligação de Fabio Guasti, da Meu Vale, dois dias depois da compra dos respiradores pela secretaria.
Segundo a advogada, Barros frequenta a Secretaria de Estado da Saúde porque tem várias prefeituras como cliente neste segmento. “O Leandro é referência em advocacia na área da saúde”, justificou.
Mariana Petry esclareceu que, apesar de sócia de Barros, não frequenta o escritório. “Eu presto serviço em tempo integral dentro do Instituto Ideias, nosso cliente que faz a gestão do Hospital Materno Infantil de Joinville”, explicou. Ela negou que Douglas Borba seja sócio ocu lto do escritório de advocacia de Barros ou que indique clientes.
A advogada reconheceu que é amiga da esposa de Borba, mas que pouco frequenta a casa do ex-secretário. “Sou amiga da esposa, já estive na casa dela. Meu irmão joga bola com ele”, afirmou.
Mariana é irmã de Anísio Petry, conhecido como Popó, amigo muito próximo do ex-secretário Douglas Borba e que ocupa um cargo na Junta Comercial do Estado. Questionada se foi Douglas Borba quem indicou Popó para este cargo, ela disse que “acredita que sim”.
Ela revelou que, mesmo sendo sócia de Barros, também não é “amiga dele”. “Nem eu, nem meu irmão. Nossas famílias sempre foram adversárias políticas. Eu entrei no escritório com meu currículo. Tinha a vaga, eu mandei meu currículo e fui contratada”, afirmou. Informada pelo deputado Ivan Naatz de que haveria “várias fotos de Douglas Borba com Leandro e Popó em redes sociais”, Mariana disse acreditar que seria em jogos de futebol.
Em suas considerações finais, Mariana disse ser a maior interessada em que a verdade seja revelada, por ter tido seu nome envolvido em algo com a qual não tem nenhuma relação.
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