Entenda o que levou Sergio Moro a pedir demissão do cargo de ministro

24/04/2020 - 15h29

O então ministro Sergio Moro abriu a coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (24), na qual anunciou sua demissão do governo Bolsonaro, lamentando as dimensões da pandemia por coronavírus no Brasil. Ressaltou as mais de três mil mortes e quase que se desculpou por estar chamando a atenção nesse momento de crise sanitária.

A partir daí, deu início a 40 minutos de fala destacando os motivos que o levaram a desistir do cargo. O auge foi a dança das cadeiras no mais alto cargo da Polícia Federal. Moro não concordou com a exoneração de Maurício Valeixo que, segundo ele, ocorreu pelas costas. “Fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo”.

Antes de dar início ao relatório de justificativas, Moro destacou que a Polícia Federal obteve autonomia durante os governos anteriores para atuar nas investigações da Lava Jato, que culminaram na prisão de vários políticos, entre eles o ex-presidente Lula.

“O governo à época tinha inúmeros defeitos, crimes gigantescos de corrupção. Mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF para realizar esse trabalho”.

Acordo quebrado

O primeiro tópico destacado por Moro foi o acordo feito com Jair Bolsonaro ao aceitar o convite para assumir o cargo em seu governo. Na conversa, segundo Moro, o presidente garantiu que lhe daria “carta branca” para sua atuação. 

O acordo previa enfoque no combate à corrupção, organizações criminosas e criminalidade violenta. “Eu teria carta branca para nomear as pessoas para esses órgãos [de segurança pública e justiça]”.

Ele lembrou das críticas que recebeu quando aceitou o convite, uma vez que havia rumores de suposto acordo para posterior nomeação à corte, como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

“Eu realmente assumi esse cargo com a ideia de buscar um nível de formulação de políticas públicas para aprofundar o combate à corrupção e para elevar a efetividade das ações contra a criminalidade”, defendeu.

Moro afirmou que o único acordo feito foi com relação à garantia de uma pensão para sua família, uma vez que perdeu a previdência do seu período de 22 anos de magistratura.

“Entendi que, pelo meu passado de juiz e compromisso com o Estado de Direito, também poderia ser um garantidor da lei e da imparcialidade para garantir a autonomia dessas instituições”, disparou.

Na sequência, Moro fez questão de destacar os feitos de sua gestão sem desmerecer as parcerias com governos estaduais e municipais. Falou sobre as operações policiais de âmbito nacional, prisões de líderes faccionados, apreensões de drogas e queda nos índices de criminalidade.

Interferência política

“Em todo esse período, tive apoio do presidente Bolsonaro. Mas, a partir do segundo semestre do ano passado, passou a haver insistência do presidente na troca do comando da PF”.

Moro revelou que Bolsonaro já havia manifestado interesse em trocar a superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. A troca acabou ocorrendo, segundo Moro, por vontade própria do delegado Ricardo Saadi, por supostas questões pessoais. “Nesse cenário concordamos em promover essa troca, mas com substituição técnica”.

Troca de comando da PF

A partir daí, segundo Moro, o presidente passou a insistir na troca no então diretor-geral, Maurício Valeixo.”Não tenho problema com isso, mas eu preciso de uma causa, que deve estar relacionada à insuficiência de desempenho”.

Na avaliação de Moro, no entanto, o histórico de Valeixo era de ‘um trabalho bem feito’ com ‘várias operações importantes no combate ao crime organizado’.

Moro fez questão de destacar que até poderia haver outros bons nomes para a substituição, mas que a troca forçada estaria ‘violando a promessa’ de que ele teria carta branca para atuar.

“Não havia uma causa pra substituição deixando clara, portanto, a interferência política, o que gera abalo da credibilidade. Não só minha, mas do governo e por esse compromisso maior que devemos ter com a lei”, disse Moro.

Insistência

Moro contou que a decisão foi postergada no ano passado, mas acabou retornando à pauta nesta quinta-feira (23).

“Falei ao presidente que seria interferência política. Ele disse que seria mesmo”, denunciou Moro.

Autonomia

Ao ser comunicado sobre o interesse do presidente, Moro disse que sugeriu uma substituição técnica para evitar mais crise nesse momento de pandemia. E que poderia indicar nomes com sugestões da própria instituição.

“Sinalizei com nome do atual diretor-executivo, mas não obtive resposta.

Houve preferência por alguns nomes deles. Foi ventilado o nome de um delegado que passou mais tempo no Congresso do que na ativa da Polícia Federal”.

A Secretaria de Comunicação do governo federal se manifestou pelo Twitter indicando que a exoneração de Valeixo teria ocorrido a pedido do próprio diretor-geral da PF.

Interesse pessoal

“O presidente me disse mais de uma vez que queria ter alguém do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações e colher relatórios de investigação”, largou Moro.

Exoneração pelas costas

Na sequência, Moro soltou que a exoneração do diretor-geral da PF Maurício Valeixo ocorreu sem a assinatura dele. “Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto”.

A partir dessa decisão, Moro entendeu que o presidente não o queria mais como integrante do seu governo e tomou a iniciativa de pedir demissão na manhã desta sexta-feira (24).

“O meu entendimento foi o de que não tinha como aceitar essa substituição, há uma questão envolvida com a minha biografia de juiz, a impessoalidade no trato das coisas com o governo”.

Futuro incerto, mas com convites

Moro concluiu sua fala recordando que abandonou os 22 anos de magistratura para abraçar o desafio de ministro da Justiça no governo Bolsonaro sabendo dos riscos que corria. Disse que vai descansar e procurar um emprego mais adiante. Deixou em aberto que estará “à disposição do país para ajudar no que puder”.

Convites já começaram a pipocar pelas redes sociais, entre eles do próprio governador de Santa Catarina, Carlos Moisés. “Será bem-vindo aqui”, arriscou o governador catarinense.

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