A morte de uma catarinense após tomar remédio para emagrecer
acendeu a preocupação de médicos e o alerta da polícia para a venda
indiscriminada de produtos que são rotulados como naturais. Muitas são
substâncias compradas sem controle, sem bulas, vendidas em todo o país. A
negociação costuma ser à distância, por telefone ou pela internet.
Durante cinco meses, a equipe de reportagem da NSC TV investigou como e onde são encontrados os remédios ditos naturais que prometem milagres. O resultado desse trabalho você confere em três reportagens especiais, a partir desta quinta-feira (19), na série "Pílulas Mortais."
Foi um desses medicamentos que deve ter levado à morte súbita de uma mulher de 27 anos, moradora de Lages, na Serra. Em 6 de abril de 2019, às 13h, ela foi encontrada morta em casa, sem sinais de violência. A causa inicial foi registrada como morte natural. Mas o legista do Instituto Geral de Perícias (IGP) de Santa Catarina desconfiou.
"Chamou-me a atenção como legista que aquelas características imediatas
que ela teve no óbito, que ela ficava asfixiada, mostrando uma asfixia interna,
mostrando um sofrimento agudo dos pulmões", explicou o médico-legista
André Gargioni.
Só tinha uma pista. Ela vinha tomando um emagrecedor,
supostamente natural. "O meu instinto de legista dizia que era aquele
remédio. E eu liguei pro instituto de análise forense dizendo 'vou mandar o
remédio porque foi isso, foi essa coisa aqui que matou", complementou.
Entre as substâncias identificadas, estão as que
mataram a mulher na cidade de Lages.
"Foi encontrado diazepam com sibutramina.
Diazepam todo mundo usa, sibutramina é autorizado, sim. Mas com doses que devem
ser fiscalizadas pelo médico. Você não sabe quanto, qual a quantidade, quantas
vezes tomar. Como advertir, como ser advertido pelo médico, olha, estou
sentindo isso, que são anúncios de uma doença que tem, ela não foi. Ela foi
persistentemente mantendo-se no uso daquela medicação, perdendo peso, que era o
projeto original dela, e negligenciado, entre aspas, aqueles sintomas que
culminaram com a morte. Então muita morte pode ter passado batido", disse
o perito do IGP.
A equipe da NSC TV entrou em comunidades virtuais, em
grupos que discutem e comercializam essas cápsulas, acompanhou as conversas e
chegou a fornecedores. Produtos como Natural Dieta, Yellow Black e Royal Slim
foram adquiridos. Todas as embalagens foram entregues lacradas para a Polícia
Civil, que encaminhou para análise do Instituto Geral de Perícias.
Venda
na internet
Nas redes sociais são muitas ofertas e promessas tentadoras
para quem quer perder peso. São vários depoimentos publicados.
"Olha aqui, essa calça aqui
ela é 38. Pra quem já vestiu 46, e ficava apertado", disse um deles.
Informações são poucas. Nos rótulos e nas bulas não têm a
identificação, nem o endereço dos fabricantes. O que se encontra sempre são
listas de plantas que, teoricamente, formam o composto.
O produtor Pedro Rockenbach fez contatos com quatro vendedores no país, dois em
Santa Catarina. O primeiro contato foi com uma vendedora, de Goiás. O produto oferecido
é o Yellow Black, e custa R$ 200. Confira as conversas gravadas por telefone.
Vendedor 1:
"Eu tomei e aí eu passei a
indicar pra minhas amigas que deu resultado e aí eu passei a vender também. A
partir de 8, 10 dias você já vai notar alguma diferença, nas suas roupas, no
organismo", disse a mulher por telefone."
"A água é o ponto. A água que faz perder peso porque ele
é um termogênico fitoterápico a base de ervas. E essas ervas, a maioria delas,
são fibras, então se você não tomar água na quantidade exata, tipo o Yellow,
você vai ter que tomar de seis a sete litros de água por dia."
"Se você fizer certinho como eu tô lhe explicando, em
média, dentro de um mês, você consegue eliminar até 12kg, de 5 a 12, tem gente
que elimina mais, mas isso aí vai de pessoa pra pessoa."
"Eu com quatro meses, eu eliminei 15 kg. Eu vendo pro
Brasil inteiro, pra fora do Brasil."
O produto chegou pelo correio seis dias depois.
Vendedor 2:
O segundo contato foi com a vendedora do Pará. O
composto é o Natural Dieta. Na conversa com o produtor por telefone ela explica
detalhes.
Vendedora : Só um sai a R$
250,00.
Produtor: Aí vem quantas cápsulas?
Vendedora: 60
Produtor: Isso aí dá pra quantos dias?
Vendedora: 30 dias, porque toma duas vezes ao dia, mas eu
indico só uma porque ele é muito forte. Tomando só um ao dia, resolve o
problema. Ele tira a fome mesmo, ele é muito forte.
Produtor: E tem algum efeito colateral, não?
Tem sim. Boca seca, muita 'mijadeira', pode, às vezes, doer a
barriga, o estômago, né? As vezes pode dar dor de cabeça, as vezes dá insônia,
as vezes não dá, vai depender de organismo pra organismo.
Produtor: E tem alguma contraindicação?
Vendedora: Tem. Pra quem tem problema de pressão não é bom,
porque ele é muito, ele acelera muito o metabolismo da pessoa.
Na página da vendedora na rede social, a promessa é que, num período de um mês,
a pessoa perde de 10 a 13 quilos. Tudo graças a uma combinação de ervas, mas,
no fundo, nem a vendedora parece acreditar nessa composição.
Vendedora: "Olha, o povo diz
que é natural, mas é remédio pra emagrecer, assim não é natural não. Eu não vou
lhe mentir, nenhum remédio para emagrecer sendo que o processo dele é rápido,
ele não é natural não, alguma coisinha ele sempre tem , né? "
As cápsulas chegaram oito dias depois da conversa com a
vendedora do Pará.
Vendedor 3:
A equipe localizou vendedores também em Santa
Catarina. A página é de uma vendedora de Balneário Camboriú, que comercializa o
Royal Slim. Ela chama o produto de Milagrinho. "100% natural e
seguro", mas com algumas ressalvas.
A equipe de reportagem foi até o endereço da
vendedora. Com uma câmera, registrou o encontro e a conversa.
Produtor: R$ 210, é isso?
Vendedora: Isso.
Produtor: Aqui tem R$ 220. Como ela faz?
Vendedora: Toma duas vezes por dia.
Vendedor 4:
Outra página na internet e as mesmas promessas:
emagrecimento rápido e saudável. Nesse caso, a oferta vem da Grande
Florianópolis. O primeiro contato com a vendedora foi por telefone. Outra vez,
recomendações, que só um médico poderia fazer. O local combinado para a entrega
do produto foi uma loja de materiais elétricos, em Palhoça.
Vendedora: É original ervas. R$
270.
Produtor: Ele é natural?
Vendedora: É tudo com ervas, natural. Tudo chá de boldo, chá
do chile, tudo ervas assim conhecidas. Mas como ele tira a fome e o apetite
dela, ela não vai querer comer nada. Então ela pode passar mal por causa disso.
Vai ficar fraca, vai dar dor de cabeça, vomitar.
A vendedora mostra que tem outras opções.
Vendedora: Esse aqui (mostra pote) emagreci oito quilos em 15
dias. Mas também depois tava morrendo, porque não comia nada.
Produtor: Como é que é?
Vendedora: Eu passei mal. Parei de tomar porque não sentia
fome, não tomava água. Mas eu emagreci oito quilos em 15 dias. Se precisar,
pode vir que a gente sempre tem aqui na loja.
Dessa vez o produto comprado foi o Original Ervas.
Médico
Para os médicos esses produtos com comércio livre na internet
são uma grande preocupação. Num dos grupos, uma pessoa reclama. E no próprio
grupo recebe orientações de outras pessoas.
"Nesse caso, é o uso errado desse caminho. Então
a utilização de grupos por telefone que deveriam ser motivadores pra parar,
muitas vezes eles vão dar sugestão de como burlar o efeito adverso pra pessoa
continuar tomando", disse o médico.
"Teoricamente se alguém num grupo desse esteja
vendo isso dai e souber, tem que dizer pare. Esse efeito adverso é algo que
planta não dá".
O que chama atenção dos médicos é o acesso fácil aos
produtos. "A facilidade na aquisição e da entrega também. São produtos que
são entregues pelos correios, ninguém exige um atestado médico, uma
recomendação médica, simplesmente o cliente liga e recebe na sua casa."
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