O Supremo Tribunal
Federal (STF) marcou para esta quinta-feira (17) o julgamento sobre a validade
da prisão após condenação em segunda instância.
Desde 2016, o Supremo entende que a prisão após segunda instância é possível.
Embora já tenha sido julgado quatro vezes em plenário desde 2016 (veja mais abaixo), o tema ainda precisa ser
analisado de forma ampla, com o chamado efeito "erga omnes" (válido
para todos os casos similares na Justiça e de cumprimento obrigatório).
Antes de 2009, era possível alguém começar a cumprir pena após
condenação em segunda instância de acordo com a decisão do juiz em cada caso.
Em 2009, em julgamento no plenário, o STF decidiu que a prisão só
poderia ser executada após o trânsito em julgado (final do processo, quando não
há mais possibilidades de recurso).
Esse entendimento prevaleceu até 2016, quando o Supremo voltou a
permitir a prisão após segunda instância. Desde fevereiro de 2016, o STF já
decidiu em quatro ocasiões que é possível começar a cumprir pena após a
condenação em segunda instância.
Três ações devem ser julgadas pelo tribunal na próxima
quinta-feira: da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos
partidos PCdoB e Patriota.
O objetivo das ações é derrubar o entendimento sobre a prisão após
segunda instância, a fim de que um réu condenado só seja preso se não houver
mais possibilidade de recurso (trânsito em julgado).
O julgamento de quinta-feira deve definir o posicionamento final da
Corte sobre o tema.
Argumentos
O argumento central das ações é o de que artigo 283 do Código de
Processo Penal estabelece que as prisões só podem ser executadas após o
trânsito em julgado, ou seja, quando não couber mais recursos no processo.
Alegam também que o artigo 5º da Constituição define que "ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória".
O sistema penal brasileiro é baseado no princípio chamado de duplo grau
de jurisdição.
Para que um réu seja condenado, é preciso que um juiz de primeira
instância dê uma sentença e que a decisão seja confirmada por um colegiado, por
exemplo, de desembargadores, como é o caso de um tribunal estadual de Justiça.
A partir da segunda condenação, o réu ainda pode recorrer ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal.
Nesses tribunais, considerados cortes superiores, não se analisam provas
e fatos, somente questões processuais, como nulidades no processo, dosimetria
(cálculo) da pena, e eventuais contestações constitucionais envolvendo o caso.
É nesse ponto que o STF se divide.
Aqueles que defendem a prisão após a segunda instância afirmam
que as instâncias superiores se transformaram, na prática, na terceira e quarta
instâncias da Justiça, com dezenas de recursos protelatórios por parte de réus
que aguardam o fim de seus processos em liberdade, gerando impunidade e até
prescrição.
A vice-presidente da Associação Nacional de Procuradores da República
(ANPR), Ana Carolina Roman, considera que a execução das penas a partir da segunda
instância traz “efetividade maior” à Justiça.
“[Na segunda instância], já houve um exame mais apurado, por um
colegiado, em tese por juízes com mais experiência. Então, a condenação em
segunda instância, ela ganha um corpo maior do que apenas a condenação pelo
juiz em primeira instância”, argumenta.
Os críticos da execução provisória da pena entendem que
a presunção da inocência é um direito constitucional que garante a todo cidadão
dispor de todos os recursos possíveis para se defender, incluindo os cabíveis
aos tribunais superiores.
Para o advogado Ticiano Figueiredo, presidente do Instituto de Garantias
Penais, existem outros mecanismos que permitem a prisão daqueles que
representam risco real à sociedade antes do trânsito em julgado, sem a
necessidade de uma execução provisória.
“É temerário, é tornar a prisão regra, quando se tem um alto número de
processos revistos pelas cortes superiores, que chegam a aproximadamente 20% a
30%”, afirma. “Em se tornando regra, duas a três pessoas em cada dez serão
presas injustamente. Não é justo a sociedade pagar esse preço”, disse.
Há ainda uma terceira via, já apresentada em plenário pelos ministros
Gilmar Mendes e Dias Toffoli, presidente da Corte. Segundo essa tese, a pena só
começaria a ser cumprida após a confirmação da condenação no STJ.
Casos que podem ser afetados
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de um total de 844
mil presos, 193 mil foram para a cadeia após condenação em segunda instância.
Eles podem se beneficiar de uma eventual mudança de entendimento do STF,
desde que não estejam cumprindo também prisões preventivas (sem prazo definido
para terminar) decretadas em outros processos ou não sejam presos considerados
perigosos.
Um dos casos de maior repercussão de réu preso após condenação em
segunda instância é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considerado culpado pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região
(TRF-4) pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro no caso do triplex no Guarujá (SP). Lula está preso desde abril de
2018.
Depois, Lula foi condenado também pela terceira instância (Superior
Tribunal de Justiça). O ex-presidente seria solto caso o STF decidisse que uma
pessoa só pode ser presa depois que não houver mais possibilidade de recursos
na Justiça.
Nos casos, por exemplo, do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e do
ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que estão presos após condenação
em segunda instância, uma mudança de entendimento do STF não os tiraria da
cadeia.
Isso porque eles cumprem também prisões preventivas, decretadas em
outros processos aos quais respondem na Justiça.
Julgamentos sobre o tema
O Supremo já julgou o tema prisão após segunda instância em outras
quatro ocasiões:
17 de fevereiro de 2016:
plenário definiu em um caso específico que a pena poderia ser executada após a
condenação na segunda instância e que o réu poderia recorrer, mas preso. A
decisão inverteu o entendimento que vinha sendo aplicado pelo STF desde 2009,
segundo o qual era preciso aguardar o julgamento de todos os recursos antes da
prisão.
5 de outubro de 2016:
STF julgou medidas cautelares apresentadas pelo PEN e pela OAB e decidiu
confirmar a possibilidade de prisão após segunda instância.
11 de novembro de 2016:
Supremo voltou a julgar o tema, no plenário virtual, e manteve a possibilidade
de prisão após condenação em segunda instância.
4 de abril de 2018:
ao negar um habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Corte
reafirmou a jurisprudência de que a prisão é possível após a condenação em
segunda instância.
Discussão no Congresso
No pacote anticrime elaborado pelo ministro Sergio Moro, da Justiça,
havia uma proposta para tornar a prisão após condenação em segunda instância
regra no processo penal.
No entanto, o trecho foi retirado do projeto por deputados durante análise
do tema em um grupo de trabalho na Câmara.
A maioria dos integrantes do colegiado entendeu que o tema deve ser
tratado no Legislativo por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC)
– que exige os votos, em dois turnos, de 60% dos deputados e dos senadores –, e
não por projeto de lei, como foi enviado por Moro ao parlamento.
Alegações finais
O Supremo não marcou ainda a data para terminar de julgar o caso que discute a ordem de apresentação das
alegações finais (últimas manifestações) em processos que
envolvem réus delatores e delatados.
No início deste mês, os ministros já decidiram, por 7 votos a 4, que as
alegações finais de réus delatores têm de ser apresentadas antes das alegações
dos réus delatados, a fim de se assegurar o amplo direito de defesa.
Agora, falta o STF definir em quais hipóteses essa tese deverá ser
aplicada. O presidente do STF, Dias Toffoli, sugeriu três:
-as delações precisam ter sido
homologadas, ou seja, validadas pela Justiça;
-o réu deve ter questionado o
procedimento sobre as alegações finais na primeira instância;
-comprovação de prejuízo concreto pelo fato de ter se manifestado simultaneamente ao delator.
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