(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
O Senado aprovou nesta quarta-feira (8) o
projeto de lei que estabelece um novo marco legal para o mercado de câmbio (PL
5.387/2019, de autoria do Poder Executivo). Entre outros pontos, a proposta
abre espaço para bancos e instituições financeiras brasileiros investirem no
exterior recursos captados no país ou no exterior, além de facilitar o uso da
moeda brasileira em transações internacionais. O relator da matéria no Senado
foi Carlos Viana (PSD-MG). Agora o texto vai à sanção da Presidência da
República.
De acordo com o texto aprovado, as
instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central poderão
usar esse dinheiro para alocar, investir, financiar ou emprestar no território
nacional ou estrangeiro. Devem ser observados requisitos e limites de
regulamentos editados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco
Central. Segundo o governo, isso ajudará a financiar importadores de produtos
brasileiros.
Em seu parecer, Carlos Viana afirma que a proposta busca reduzir as barreiras existentes que dificultam exportações e importações de bens e serviços, investimentos produtivos e livre movimentação de capitais. Segundo ele, o objetivo do projeto é modernizar o mercado, alinhando a regulação com os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), atendendo ao seguinte tripé: modernização, simplificação (redução dos entraves burocráticos) e maior eficiência.
“Os benefícios de uma menor burocracia no mercado de câmbio são inúmeros, permitindo reduzir custos para as empresas que transacionam com o mercado internacional, bem como as empresas que fazem parte de sua cadeia produtiva. Reduz o custo das empresas e reduz o Custo Brasil”, argumenta ele. Para o relator, o novo marco legal vai auxiliar no desenvolvimento e no crescimento econômico do Brasil.
A matéria já tinha sido aprovada na Câmara dos
Deputados, sob a forma de substitutivo, em fevereiro. E foi esse mesmo texto
que o Senado aprovou nesta quarta-feira, em votação simbólica, com votos
contrários do PT e dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Jorge Kajuru
(Podemos-GO).
Viajantes
O texto aprovado propõe, para os viajantes, o
aumento do limite de dinheiro vivo que cada passageiro pode portar ao sair do
Brasil ou nele entrar. Em vez dos atuais R$ 10 mil serão US$ 10 mil ou o
equivalente em outra moeda.
Negociações de pequenos valores entre pessoas
físicas também serão liberadas. Entretanto, o relator diminuiu o limite para
elas de US$ 1 mil para US$ 500.
Conta em moeda estrangeira
Apesar de a matéria já ser regulada pelo Banco
Central, o projeto reitera que compete a essa autarquia regulamentar quem pode
deter conta em moeda estrangeira no Brasil e quais são os requisitos.
Ao abrir essa possibilidade, futuramente a
autarquia poderá autorizar pessoas físicas a manter contas em dólar no Brasil.
Pagamento em moeda estrangeira
A proposta aumenta a lista de casos em que
será permitido o pagamento em moeda estrangeira de obrigações devidas no
território nacional. Passam a ser permitidos os pagamentos de contratos de
arrendamento mercantil (leasing) feitos entre residentes no Brasil se os
recursos forem captados no exterior.
Nessa situação e na de contratos e títulos
referentes ao comércio exterior ou a sua garantia e financiamento, o pagamento
em moeda estrangeira será liberado inclusive quando houver cessão dos créditos
ou transferência ou modificação das obrigações.
Outro caso incluído explicitamente na
legislação refere-se à exportação indireta, que ocorre quando produtores de
embalagens, montadores ou vendedores de insumos fornecem esses materiais ou
serviços para empresa exportadora. Os pagamentos de linhas externas (com
dinheiro estrangeiro) de crédito para as transações desses empresários poderão
ser feitos em moeda estrangeira.
Está incluído ainda o caso dos contratos entre
exportadores e empresas que exploram setores de infraestrutura, como portos,
seja por meio de autorização, concessão, permissão ou arrendamento.
O Conselho Monetário Nacional poderá prever
demais situações permitidas se o pagamento em moeda estrangeira puder diminuir
o risco cambial ou “ampliar a eficiência do negócio”.
Dinheiro de exportação
O projeto permite aos exportadores usarem
recursos mantidos no exterior e oriundos de exportação para empréstimo ou contrato
de mútuo. Atualmente, a legislação permite o uso em investimentos, aplicação
financeira ou pagamento de obrigação própria do exportador.
Ordens de pagamento em reais
Segundo o governo, as mudanças propostas
pretendem ainda aumentar a aceitação do real em outros países. Uma das
iniciativas para isso é a inclusão na lei da permissão para o recebimento de
ordens de pagamento de terceiros do exterior a partir de contas em reais
mantidas no Brasil por meio de bancos estrangeiros.
A matéria já tem regulação pelo Banco Central,
mas o projeto determina que os bancos autorizados a operar no mercado de
câmbio, quando realizarem essa correspondência bancária internacional em reais,
deverão obter informação sobre o banco estrangeiro para “compreender plenamente
a natureza de sua atividade, sua reputação e a qualidade da supervisão a que
está sujeita”.
A intenção é remeter a esses bancos o primeiro
nível de controle em matéria de combate à lavagem de dinheiro e ao
financiamento do terrorismo.
Remessas ao exterior
Empresas que remetem dinheiro ao exterior a
título de lucros, dividendos, juros, pagamento por royalties e outras
finalidades regulamentadas poderão fazê-lo sem a necessidade de registro
perante o Banco Central, como ocorre atualmente. A única exigência passa a ser
o pagamento do imposto.
O projeto revoga ainda a proibição da remessa
de royalties pelo uso de patentes de invenção e de marcas de indústria ou de
comércio entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua
matriz com sede no exterior. Atualmente, isso é proibido pela Lei 4.131,
de 1962.
Imposto suplementar
Nessa mesma lei, o projeto revoga outros dois
dispositivos. Um deles é a cobrança de imposto suplementar sobre a renda obtida
com a venda de imóveis quando o proprietário for pessoa física ou jurídica
residente ou com sede no exterior. Esse imposto varia de 40% a 60%.
O segundo item a ser revogado é o que proíbe
bancos estrangeiros de comprar mais de 30% das ações com direito a voto de
bancos nacionais se a matriz do comprador for em país no qual a legislação
imponha restrições ao funcionamento de bancos brasileiros.
Arrendamento mercantil
Quanto ao arrendamento mercantil (leasing), o
projeto acaba com a necessidade de registro perante o Banco Central, assim como
com a necessidade de autorização para a cessão do contrato de arrendamento a
entidade domiciliada no exterior.
Essas exigências constam da Lei 6.099, de
1974.
Regulação
Várias atribuições do Conselho Monetário
Nacional (CMN) passam para o Banco Central, tais como a de regular operações de
câmbio, contratos futuros de câmbio usados pelo Banco Central para evitar
especulação com o real (swaps) e a organização e fiscalização de corretoras de
valores de bolsa e de câmbio.
Estatísticas
A proposta permite ao Banco Central pedir
informações de residentes para a compilação de estatísticas macroeconômicas
oficiais. O texto determina a guarda do sigilo sobre as informações
individuais, que poderão ser fornecidas, sem identificação do titular, para
fins de pesquisa e estudos a interessados.
Quem se recusar a prestar as informações
requeridas poderá sofrer sanções, como multa e proibição de realizar
determinadas atividades ou modalidades de operação.
Documentação de clientes
Quanto ao relacionamento das instituições
autorizadas a operar no mercado de câmbio com seus clientes, o projeto proíbe
que elas exijam documentos e dados que já constem de seus bancos de dados.
Caberá ainda a esses clientes a
responsabilidade por indicar a finalidade da operação de câmbio e, para isso,
as instituições deverão prestar orientação e suporte técnico, inclusive por
meio virtual, para aqueles que necessitarem de ajuda nessa classificação.
Outra novidade é que as contas em reais de
residentes e de não residentes deverão ter o mesmo tratamento.
Contrato de câmbio
O projeto também limita o valor que a
operadora de câmbio (banco ou corretora, por exemplo) tem de depositar no Banco
Central se um contrato de compra de moeda estrangeira for cancelado.
Esse tipo de contrato, chamado de Adiantamento
sobre Contrato de Câmbio (ACC), é feito entre o exportador e uma instituição
financeira com o objetivo de adiantar o recebimento dos valores pelo produto
exportado.
Assim, a instituição cobra uma taxa de juros
menor do exportador e fica com a garantia de receber o pagamento, em moeda
estrangeira, a ser feito pelo importador para pagar pelo produto ou serviço
exportado.
Caberá ao Conselho Monetário Nacional
regulamentar o assunto, definindo a forma de cálculo e as situações em que o
recolhimento será dispensado, proibido o tratamento diferenciado em razão do
setor produtivo.
Atualmente, uma circular do Banco Central
determina o uso de uma fórmula para calcular esse encargo, que leva em conta a
variação cambial do período entre o fechamento do contrato e seu cancelamento,
a variação da Letra Financeira do Tesouro (LFT) e o número de dias do período,
entre outros fatores.
Jogo sobre o câmbio
Dentre as várias mudanças feitas por meio de
38 revogações na legislação, o projeto acaba com restrições a operações
cambiais que antigamente eram consideradas ilegais por envolverem possíveis
manipulações de trocas cambiais.
Essas operações, conhecidas como “jogo sobre o
câmbio”, passam a ser permitidas conforme regulamentação do Banco Central, que,
com base na legislação atual, já entendeu muitas vezes haver indício de que as
operações de câmbio eram praticadas apenas com o objetivo de proporcionar ao
contratante ganho correspondente à diferença das taxas de câmbio praticadas nos
dois mercados (brasileiro e da moeda negociada), e não para proporcionar os
pagamentos demandados pelos negócios envolvidos nos contratos.
Entretanto, o Conselho de Recursos do Sistema
Financeiro Nacional (CRSFN) tem sistematicamente rejeitado as decisões da
autarquia, firmando o entendimento de que o jogo sobre o câmbio não está
tipificado de forma adequada na legislação e que, portanto, não seria possível
a aplicação de penalidades pelo Banco Central com base nessa suposta infração.
Modernização
Durante a discussão do projeto nesta
quarta-feira, Carlos Viana disse que o texto se limita à modernização do
mercado de câmbio. Ele afirmou que a proposição não modifica nenhum tipo de
tributação para envio e recebimento de recursos cambiais, nem os critérios para
que a empresa possa exercer a atividade do câmbio, e não modifica a política
monetária do país. Segundo o parlamentar, o projeto ainda aumenta a segurança
de empresas, que poderão manter seus investimentos no Brasil cotados em moeda
estrangeira.
— É o que acontece no mundo inteiro. O Brasil
passa a ter uma legislação semelhante às das nações mais desenvolvidas com
relação ao câmbio e ao respeito ao capital — declarou Viana.
Em defesa do projeto, o senador Oriovisto
Guimarães (Podemos-PR) disse que não há novidades no texto, que, segundo ele,
apenas “passa a limpo” o que já era permitido. Como exemplo, ele citou o
ministro da Economia, Paulo Guedes, que admitiu manter dinheiro em offshore dentro
das normas legais.
— Quanto a mandar dinheiro para o exterior, já
há muitos e muitos anos qualquer cidadão brasileiro pode mandar US$ 1 milhão,
US$ 2 milhões, US$ 100 milhões, desde que tenha o dinheiro com origem lícita —
acrescentou Oriovisto.
Questionamentos
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) cobrou mais
discussão sobre o projeto, argumentando que ainda restam dúvidas sobre a
matéria. Ele questionou os motivos da urgência para votação dessa proposta.
Também questionou o aumento do limite de porte de dinheiro vivo por viajantes e
a flexibilização das regras sobre contas em dólar (que ele considerou uma
“blindagem” dos mais ricos em relação à política econômica brasileira).
— Qual é o interesse de uma pessoa
endinheirada de querer manter seu dinheiro em dólar fora do país? — indagou
Jean Paul.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), ao
questionar as medidas previstas na proposta, também citou o uso de offshores.
— Um ministro da Economia pegar os recursos
que tem e botar no exterior em offshore quer dizer que está com medo de o país
ter problemas e ele perder recursos?
Já o senador Esperidião Amin (PP-SC) perguntou
como o projeto beneficiaria a economia brasileira diante de um “ataque
especulativo” em âmbito mundial. E também quis saber como o Banco Central terá
condições de fiscalizar movimentações financeiras sem ter a experiência da
Receita Federal no setor.
Ao responder a esses questionamentos, Carlos
Viana disse que desde 1995 o Brasil mantém uma legislação severa sobre envio de
recursos. Além disso, afirmou que o Banco Central apresenta um dos trabalhos
mais modernos do mundo no que se refere a controle de remessas e recebimentos.
Ele disse que o projeto não trata de contas no exterior, mas de contas no
Brasil com paridade em dólar, e não modifica as normas para declaração de bens
à Receita Federal.
Viana concordou com a sugestão de Esperidião
Amin para que seja solicitado ao Banco Central que emita instrução normativa
para especificar a participação de depósitos cotados em moedas estrangeiras em
suas estimativas de meio circulante.
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